Freire mostrou o caminho que converte a escola pública em escola popular
Esta história é real e está acontecendo neste exato momento. Em um auditório da cidade de Juazeiro na Bahia, uma jovem senhora está concluindo a defesa de sua dissertação de mestrado. Este é o momento da arguição. O seu orientador acaba de lhe perguntar se ela conhece onde fica e o que significa a cidade de Angicos. Ele acaba de tirar uma folha de papel do bolso e se coloca a ler.
“A tese de mestrado em questão envolveu o uso da nanotecnologia para o controle no crescimento de bactérias, com a produção de um novo agente antibacteriano.” A parte fria e formal do processo de avaliação foi finalizada neste momento. Foi então que ele precisou lembrar dos elementos que construíram o processo. As nanopartículas de prata foram sintetizadas pela redução química promovida pelo extrato de folhas de juazeiro (planta da região) e impregnadas em pele de tilápia (cultivadas no rio São Francisco) para que se consiga tratar ferimentos no povo. Não bastassem tantos elementos sertanejos, a mestranda, também sertaneja, veio da roça e passou por um processo de formação totalmente fora daquilo que se possa chamar de formação convencional.
Como este orientador poderia tratar esta como uma defesa normal e olhar apenas para os números frios e suas respectivas barras de erro? Por trás da frieza da química, física e da ciência dos materiais pulsava a semente de Paulo Freire. Como não lembrar neste momento da experiência de Angicos? Interior do Rio Grande do Norte, lugar mítico em que o método de Freire foi testado e provado para todo o mundo, mostrando que “Eva viu a uva” é bem mais que uma mera construção de letras sobre o papel.
Não adianta apenas fazer a nanotecnologia e ter um diploma na parede, é preciso usar os elementos da terra, entender seu papel, potencializar seus fins, dar uso aos rejeitos. Sem dúvidas, hoje, uma árvore que veio da semente de Angicos foi vista em Juazeiro da Bahia. Enquanto o orientador lê esta carta em uma sessão pública de defesa de mestrado, todo auditório é mergulhado na doçura da metáfora das 40 horas de Angicos, percebe-se o espírito dos 300 adultos que ali foram educados e o que isso representou. Pode-se, enfim, sentir e tocar a importância da interiorização da Universidade Púbica no sertão do Brasil e o poder da mulher sertaneja. Assim como foi contado em prosa e verso por Euclides da Cunha, esse povo não sente o peso da dificuldade em seus ombros. E como um grande umbuzeiro sem folhas, aguarda pela primeira chuva para explodir em cores e vigor.
Freire mostrou o caminho que converte a escola pública em escola popular. Hoje, neste auditório da Univasf de Juazeiro aprendemos como ser parte de uma Universidade Pública que se torna uma Universidade Popular. Angicos e seu povo, Freire e seus sonhos passaram por aqui e de forma definitiva deixaram cravados nas paredes deste Instituto de Pesquisa que: “Temos de saber o que fomos, para saber o que seremos”.
E foi este mais um dia na vida da Universidade Pública no sertão brasileiro. Com o exemplo de uma mestra que muito nos ensinou sobre a Escola da Vida e com seus próprios blocos costurou suas soluções. E assim que a leitura se encerrou, os aplausos vieram.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.
Edição: Vanessa Gonzaga