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A história e a luta por memória e educação no Brasil

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"No Brasil essa estratégia de desvalorização do ensino das ciências humanas se reflete no Novo Ensino Médio" - Foto: Ana Keil / Equipe de Comunicação do Levante Popular da Juventude
É urgente que as ciências humanas voltem a ser valorizadas

As ciências humanas desempenham um papel fundamental na vida de todos nós, política, social e economicamente, mas para além. A História especialmente, entre elas, e junto à elas, cumpre uma função imprescindível nas nossas vidas e no que nos constitui individual e coletivamente. O último sábado, 19 de agosto, foi o dia do historiador/a, e todos eles/as merecem ser celebrados, os que batalham, seja na docência, seja na pesquisa, ou em ambos, dentro de uma sociedade que na maior parte do tempo os desvaloriza.

A nossa própria história, muitas vezes negou a História, justamente por ser mais fácil ter uma sociedade que não sabe de onde veio, por quais processos já passou, e assim se tornar mais fácil de moldar e controlar. O liberalismo, que se acha o grande vencedor desde o final do século XX, nega a História e nega os sujeitos, mas, quem parte dessa negação tão totalizadora pouco tem a ganhar.

Há não muito tempo atrás estávamos em uma Ditadura, e há menos tempo atrás ainda estávamos em um governo que exaltava essa mesma Ditadura, o que nos evidencia a questão da memória, que nos é tão cara em um contexto de América Latina. Não há, necessariamente, um tempo bom para ser historiador, sempre haverá desafios, mas, o reconhecimento da importância dessa formação, do estudo e do ensino da história para que haja uma real compreensão da nossa sociedade e de quem nós somos, é um bom caminho. Também o investimento em ensino e pesquisa são importantes precedentes.

É não apenas necessário, mas indispensável que todos, ainda que sejam de outras áreas do conhecimento, tenham uma compreensão básica das dimensões históricas - e junto a elas não excluo as demais dimensões das ciências humanas como um todo, pois caminham juntas - para que se torne possível a tomada da consciência social.

No Brasil essa estratégia de desvalorização do ensino das ciências humanas se reflete no Novo Ensino Médio. Esse projeto faz sentido, se pensarmos quem eram as figuras e suas linhas políticas à frente dos últimos governos, e a intencionalidade dentro de um planejamento maior. É esperado, agora, a volta de matérias como história, geografia e sociologia para as grades curriculares como disciplinas obrigatórias, como tem sido pautado pelos movimentos estudantis e a União Nacional dos Estudantes (UNE). 

Há um novo Projeto de Lei proposto pelo Ministério da Educação que caminhará para o Congresso nas próximas semanas, pautando uma revisão na reforma do ensino médio, desenvolvido com base em consulta pública, e que espera-se que seja aprovado, como um passo para um caminho melhor na educação no país, fruto de muita reivindicação por parte do movimento estudantil.

Há uma grande valorização das ciências humanas dentro dos espaços de formação política, e não poderia ser diferente. Afinal, o materialismo histórico não tem esse nome de graça, e sua importância deriva de sua base teórica, que compõe nossas leituras e entendimento do mundo. O que seriam dos movimentos populares sem o estudo de Marx, Lenin, Gramsci, Rosa Luxemburgo, Alexandra Kollontai, entre tantos outros e outras? Sem a compreensão dos outros momentos históricos, seus contextos, seus caminhos, suas vitórias e derrotas? Ou seja, sem a compreensão do passado, pouco conseguiríamos caminhar para o futuro que almejamos.

Nosso modelo social e político é fruto dos nossos muitos anos de exploração, colonialismo e do imperialismo que nos cerca. No entanto, somos, sobretudo, fruto dos modos de luta e resistência, dos movimentos populares, partidos, e personagens, suas bandeiras e seus longos percursos. Lutamos hoje resgatando lutadores do passado, como é o caso do advogado abolicionista do século XIX, Luiz Gama, por exemplo, porque a história nos possibilitou retratar quem foi ele, seu período, seu contexto e suas batalhas.

A História nos dá ferramentas de compreensão sobre como chegamos até aqui, nos apresenta elementos e nos dá meios pelos quais se faz possível acessar as dimensões da nossa sociedade e seus múltiplos sujeitos. Os/as historiadores/as, por meio da dedicação de horas para a pesquisa, análises de documentos e estudos, também nos ajudam a traçar os desafios e aprofundar os debates para que se possa, assim, pensar na construção do hoje e do que se procura construir à frente.

Também a História é viva e segue em mudança em relação aos seus métodos e abordagens. Foi no século XX que a história social surgiu, mudando a maneira de olhar para a disciplina e seus estudos, alargando as possibilidades das fontes e dos sujeitos históricos, o que nos abriu para novas visões e perspectivas, que, sem dúvida, enriqueceu mais ainda todas as ciências humanas - inclusive pela importância que era dada ao papel da interdisciplinaridade.

Nos permitiu também, cada vez mais, assumir o controle das nossas próprias narrativas, enquanto sujeitosativos que participam dos processos históricos e também no que concerne à produção de conhecimento, retirando o monopólio narrativo das elites. Isso tem um reflexo muito importante em ordem de expressar identidades.

A educação popular é um modelo de educação que se abre para as possibilidades e exemplos dentro da história, e que se constrói dentro de cada realidade vivida, também, por meio dos conhecimentos populares e percursos históricos.

As narrativas históricas vem de estudos, métodos e processos de construção que refletem a forma política como é abordada e seus sujeitos, e assim se configura como uma forte potencialidade política também. É urgente que as ciências humanas voltem a ser valorizadas em torno de um projeto de Brasil que tenha a educação e a libertação como prioridades, e de forma estratégica, não mais tornando possível que figuras extremistas e bizarras cheguem ao poder.

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

Edição: Vanessa Gonzaga