A próxima escolha de Lula precisa refletir os anseios de quem o elegeu e os compromissos que assumiu
Ao subir a rampa do Palácio do Planalto, no dia 1º de janeiro, o presidente Lula emocionou o mundo. Com ele, estavam diversos representantes do povo brasileiro: trabalhadores, crianças, uma pessoa com deficiência, um indígena e uma mulher negra, que lhe entregou a faixa presidencial. Esta imagem ficou cravada no imaginário de mais de 50% da população brasileira que o elegeu com a esperança de reconstruir o país. E reconstruir o país passa, necessariamente, por abrir mais espaços de poder para a diversidade, em especial, para as mulheres negras.
Ainda são enormes os índices de violência contra elas, nas mais diversas esferas e classes sociais. São também as pretas que mais sofrem com a fome, com a falta de políticas assistenciais, com a guerra às drogas, com o racismo entranhado no Brasil que mata, todos os dias, seus filhos e filhas nas periferias no país. Inverter a lógica colonial é urgente. E quando mulheres conseguem alçar voos mais altos, conquistar cargos de decisão que mudam os rumos da história, todo mundo ganha. Dias mais justos e igualitários começam a se desenhar.
Em outubro, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, se aposenta. Cabe a Lula indicar outro ou outra representante para seu lugar, posto decisivo para a garantia do nosso projeto de felicidade. É no judiciário que as batalhas sobre direitos humanos se travam e se desenrolam, seja na desapropriação de terras ou em temas que definem o nosso futuro como a permissão para casamento homoafetivo ou a proibição do uso da defesa da honra para os casos de feminicídio.
Estou na luta pelos direitos humanos há quarenta anos. Advoguei para trabalhadores e trabalhadoras rurais, crianças e adolescentes e sei da importância de se encontrar juízes e juízas sensíveis, progressistas. Mais do que nunca, para conseguirmos esse plano coletivo de levantar os escombros deixados pelo rastro de destruição deixado por Bolsonaro, precisamos também pensar em um Judiciário que seja representativo, diverso e inclusivo.
Em toda a história da Suprema Corte, apenas três mulheres foram ministras: Ellen Gracie (2000-2011), Carmen Lúcia (desde 2006) e Rosa Weber (desde 2011). Somente três ministros negros passaram pelo STF: Pedro Lessa (1907 a 1921), Hermenegildo de Barros (1917 a 1931) e Joaquim Barbosa (2003-2014), que chegou a ser presidente do órgão. Segundo os dados do portal feminista de notícias Gênero e Número, desde sua criação, o STF teve suas cadeiras ocupadas 95% do tempo por homens brancos, 2,4% por mulheres brancas e 2,7% por homens negros. A corte nunca elegeu uma mulher negra como ministra em seus 132 anos de existência.
A próxima escolha de Lula precisa refletir os anseios de quem o elegeu e os compromissos que assumiu com o povo brasileiro. As mulheres negras carregam um olhar diferenciado para as questões sociais. Ao elegermos uma para a mais importante corte do Brasil, julgamentos como a descriminalização do porte da maconha podem ganhar novos contornos, já que segundo o 17° Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, lançado este ano, 83% dos mortos pela polícia eram negros e destes 76% eram jovens de 12 a 29 anos. Portanto, não se trata somente de pensar sobre um juridiquês mais elaborado de leis e da Constituição, mas trazer para o debate um olhar apurado sobre a nossa construção social e o compromisso que temos enquanto país para o conjunto da sociedade, garantindo direitos a todos, todes e todas. É mais do que fundamental garantirmos nossos direitos econômicos, sociais, ambientais, culturais para fazer frente a chaga do capitalismo.
O mesmo argumento se dá para a descriminalização do aborto, tema fundamental para a vida, a segurança e o planejamento de diversas famílias chefiadas por mulheres negras. Não há mais como apontar caminhos coletivos sem a escuta atenta de quem mais nos representa, de quem sustenta a maioria dos lares, de quem está na labuta do dia a dia. A equiparação de gênero e raça precisa se dar em todas as esferas governamentais, pois é através dela que alcançamos a tão sonhada representatividade.
O Movimento Mulheres Negras Decidem (MND), presente em todas as regiões do Brasil, já havia feito uma lista tríplice apontando três excelentes nomes que poderiam ocupar o lugar de Rosa Weber. A campanha Ministra Negra Já! foi lançada na tentativa de barrar a cadeira que foi ocupada por Zanin. Entre os nomes estão as juristas Adriana Cruz, Livía Sant´Anna Vaz e Soraia Mendes, com currículos vistosos e vidas dedicadas à garantia de direitos e à defesa firme da democracia. Indicar uma delas (ou qualquer outra mulher negra que seja compromissada com as causas sociais) é uma necessidade inadiável.
É verdade que a esquerda e o campo progressista precisam se unir para apoiar o presidente Lula na condução desse barco de frente ampla. No entanto, não podemos perder de vista qual rota queremos seguir e para onde estamos indo. O Brasil só pode ser uma democracia plena quando a equidade de gênero for uma realidade. Já que é através da política que traçamos os nossos caminhos, é também com ela que precisamos abrir frestas nas estruturas patriarcais. Não há mais como apoiarmos homens brancos indicados por outros homens brancos que reproduzam os mesmos limites e opressões que, há anos, nos são impostos. Outubro está aí e essa mobilização precisa ser de todas, todos e todes. Contem comigo!
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.
Edição: Vanessa Gonzaga