A gordofobia institucionalizada causa consequências cruéis e nega direitos básicos
No dia 10 de setembro, o Recife celebrou o Dia Municipal de Combate à Gordofobia, lei (18.831/2021) criada pelo nosso mandato que tem como objetivo estimular o poder público e a sociedade civil a entenderem as consequências cruéis de tal preconceito na vida das pessoas gordas. A gordofobia institucionalizada causa consequências cruéis e nega direitos básicos como o acesso à saúde, à escola, ao trabalho, à cidade.
Subjetivamente, tais corpos já são julgados como doentes e inválidos, inaptos para o tal “padrão da beleza” imposto pelo capitalismo. A violência é tão grande que além de gatilhos como compulsão alimentar, a discriminação e o bullying levam à depressão e ao suicídio de muitos dos nossos e nossas jovens.
Recife é a primeira capital brasileira a contar com legislações antigordofóbicas. Nosso mandato criou a lei (18.832/2021) que assegura às pessoas gordas cadeiras adequadas aos seus biotipos corporais nas escolas públicas e privadas. A inclusão e a conscientização foram incorporadas nos colégios da rede municipal com a readequação dos assentos e a promoção de rodas de diálogo com o intuito de evitar o preconceito.
Na Câmara do Recife, está em tramitação um projeto de lei nosso que obriga hospitais públicos e privados a garantir macas, cadeiras de roda, equipamentos hospitalares, banheiros adequados e, acima de tudo, um tratamento humanizado para tal segmento. Todo esse processo de elaboração das leis contou com ampla escuta e mobilização de grupos, entidades, coletivos que lutam, diariamente, pela liberdade de seus corpos. Trazer para a Casa José Mariano esse debate, seja através de audiências públicas ou de uma simples escuta em meu gabinete, é colocar o tema como prioritário, que precisa de uma ação coletiva e de uma mudança urgente de paradigmas sociais.
Por falar nisso, são diversos os dados que apontam que a gordofobia é mais cruel com as mulheres, principalmente as negras. O fato de ser gorda, muitas vezes, acarreta mais situações de machismo, violência doméstica e assédio em situações de trabalho. Em seu livro “O Mito da Beleza”, de Naomi Wolf, ela nos diz que a “ideologia da beleza” assumiu uma função de coerção social que os mitos da maternidade, domesticidade, castidade e passividade já não conseguem nos impor. A ideia de beleza gira em torno das instituições masculinas e do poder institucional dos homens, como ela bem diz. A jovem esquelética foi substituída pela feliz dona de casa como parâmetro de feminilidade bem sucedida. Quem não cumpre, fica à margem do sistema e sofre as consequências de toda uma lógica capitalista e patriarcal mobilizada para vigiar e monitorar os corpos das mulheres.
O que esquecemos - ou tentam apagar das nossas memórias - é que beleza é um conceito extremamente subjetivo e moldado ao longo do tempo em diversas sociedades. O padrão hoje pode ser radicalmente modificado na próxima geração, como vimos ao longo da história. Desafiar o que está imposto e buscar a liberdade para os mais diversos corpos é uma luta diária. Para nós mulheres, amar nossos corpos, sem precisar ter que dar conta de dietas milagrosas ou procedimentos estéticos que nos prendem na jovialidade, já é revolucionário.
É importante também deixar claro que em nenhum momento estamos “romantizando” a obesidade. É óbvio que devemos tratá-la como doença. Mas, é preciso olhar mais fundo para ela: também não devemos encarar o debate sobre qual tipo de alimentação temos acesso? A onda dos fast foods e alimentos ultraprocessados, estimulados pelos mais diversos segmentos da nossa sociedade, apontou um crescimento exponencial na incidência de obesidade global, segundo o Atlas Mundial da Obesidade de 20223.
De acordo com a Federação Mundial de Obesidade, até 2035, 41% da população brasileira será obesa. O índice de crescimento entre os adultos é de 2,8% , já entre as crianças a aceleração é de 4,4%, nível considerado altíssimo, muito acima da taxa da Argentina e dos Estados Unidos. No Brasil, sofremos ainda mais, nos últimos anos, com a desigualdade social e econômica imensa a que fomos submetidos durante o governo Bolsonaro. A pobreza aumentou exponencialmente o que gerou um acesso precário aos alimentos, piorando sensivelmente o tipo de alimento na mesa dos brasileiros e brasileiras.
Pensando nisso, nosso gabinete também elaborou um projeto de lei que proíbe a venda e a distribuição de bebidas açucaradas e de alimentos ultraprocessados nas escolas públicas e privadas do Recife. O projeto também estabelece uma série de medidas que devem ser adotadas nas unidades escolares, como o cultivo de hortas. Em tramitação na Câmara, a proposição conta com o apoio do Unicef, do IDec e de diversas instituições. Precisamos atuar nas mais diversas frentes, seja cuidando da saúde para evitar doenças graves ou pela conscientização de todos, todas e todes de que precisamos desconstruir os nossos preconceitos e limitações, promover políticas públicas que garantam direitos, acesso à cidade, projeto de felicidade. Corpos livres, gentes livres. Contem comigo!
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.
Edição: Vanessa Gonzaga