Pernambuco

Coluna

Os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras é uma pauta contínua

Imagem de perfil do Colunistaesd
O pagamento das dívidas trabalhistas será feito em 190 meses - Jerry Dias
A classe trabalhadora deve ser a primeira recompensada e não o Estado

Me formei cedo em Direito. Quem nasce no Sertão, tem fome e urgência de justiça. Minha carreira foi marcada pela advocacia popular, mergulhei na defesa dos trabalhadores e trabalhadoras rurais do Vale do São Francisco, em Petrolina, e, juntos e juntas, realizamos a primeira Convenção Coletiva da Hortifruticultura. Ali, entendi na pele o que significava a luta de classes, sempre ancorada na ideologia do partido que também logo cedo me filiei, o PCdoB. 

Também fui a primeira mulher a advogar para os trabalhadores e trabalhadoras rurais de Palmares, na Zona da Mata pernambucana, tentando reverter a lógica do sistema capitalista e racista que tentava impô-los a um regime quase análogo à escravidão. Do machismo aos atentados à bala, sobrevivi para contar a história dos direitos trabalhistas no campo e cravou-se em mim a luta por dias melhores. Nesse assunto, colhi um monte de certezas que tornaram-se faróis na minha caminhada. 

Aqui na Câmara Municipal do Recife, enquanto estou vereadora, sigo firme nessa batalha. Por esse motivo, nosso gabinete realizou, em setembro, uma Audiência Pública sobre os direitos das funcionárias e funcionários do Grupo João Santos, um conglomerado de 43 empresas, com atividades em seis estados: Pará, Bahia, Rio Grande do Norte, Piauí, Ceará e Espírito Santo. O carro chefe do Grupo é o Cimento Nassau, responsável por 80% do faturamento. Os outros negócios estão relacionados aos ramos da celulose, agronegócio, comunicação, serviços de táxi aéreo e logística. 

Recebemos, no plenarinho da Casa José Mariano, funcionários e funcionárias - dos mais diversos cargos - advogados, advogadas representantes da OAB, vereadores e vereadoras de Goiana para escutar e entender o tamanho da tragédia. A história é a seguinte: em 2022, exatamente no dia 21 de dezembro, o Grupo pediu recuperação judicial, causando a suspensão das execuções das ações trabalhistas em todo o Brasil. Somando tudo, a dívida é de mais de R$13 bilhões, sendo dez bilhões em dívidas tributárias e três bilhões em ações civis e trabalhistas.  

Os detalhes são as ilegalidades do processo: mais da metade das empresas foram fechadas há mais de dois anos, ferindo o que a Lei determina. Os empregados e empregadas foram demitidos em massa, na véspera do Natal e do Ano Novo, no mesmo dia em que foi pedida a recuperação, sem sequer receber suas verbas rescisórias, nem ao menos o salário do último mês trabalhado. Após décadas de dedicação, saíram com uma mão na frente e outra atrás. Ouvimos relatos terríveis da situação dos trabalhadores e trabalhadoras que ainda passam por graves situações financeiras, sem qualquer indício de justiça e, muitos e muitas, não conseguiram se realocar no mercado de trabalho. Há casos de pessoas que se suicidaram e outras que estão com grave adoecimento mental. 

Segundo o Plano de Recuperação Judicial apresentado pelo Grupo, as empresas pretendem pagar apenas 10% das dívidas trabalhistas, o que, se concretizado, representaria uma apropriação indevida dos recursos dos trabalhadores e trabalhadoras. Tal situação poderia colocá-los em condições análogas à escravidão e comprometer a segurança previdenciária de milhares deles. O absurdo se alastra: de acordo com o Grupo, o pagamento das dívidas trabalhistas será feito em 190 meses, contando com 18 meses de carência. Já o acordo tributário, aquele que enche os cofres públicos, será realizado em apenas 36 meses. Além de completamente ilegal, é também imoral. Já é pacífico entre as cortes judiciais que a classe trabalhadora deve ser a primeira recompensada e não o Estado. Quem trabalhou não quer nada mais que justiça por seus direitos negados.

Da Audiência que realizamos, alguns encaminhamentos foram gerados. Além do total apoio do meu gabinete à luta dos funcionários e funcionárias, também iremos acionar os principais órgãos que possam dar um novo prumo a essa história, o Ministério Público do Trabalho, o Governo Federal e até um apelo ao Governo de Pernambuco que proponha um auxílio emergencial aos prejudicados ou que os insira em programas de empregabilidade. São milhares de famílias desassistidas em um Brasil que ainda se reestrutura, que tem nas costas um alto índice de fome e insegurança alimentar. Do que era possível fazer no Legislativo, fizemos. E vamos continuar acompanhando.

Para além dos trâmites legais e orientações sobre os próximos passos, a Audiência também serviu para lembrar da coletividade, do direito ao protesto e do esperançar. Para mim também foi importantíssimo: reavivou a advogada popular que ainda pulsa aqui dentro, que se emociona, não foge à luta e acredita, mais do que nunca e sempre, na potência da classe trabalhadora. Espero que, com o avançar do processo, possa voltar com mais e melhores notícias, vindas de um Brasil que valoriza quem o sustenta e quem o coloca de pé, todos os dias.

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

Edição: Vanessa Gonzaga