Em 16 de janeiro o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) divulgou o resultado da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2023. O tema foi “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”. Ao todo, 60 candidatos de todo o Brasil atingiram a nota 1.000, que é a nota máxima na prova.
A região que concentra o maior número de notas mil é a região Nordeste, com destaque para o Rio Grande do Norte, onde 6 estudantes alcançaram tal resultado. Em Pernambuco, dois estudantes da rede particular de ensino conseguiram nota mil. No país, apenas 4 dos candidatos que alcançaram a nota máxima vieram da escola pública, ainda que 46,7% dos 2,7 milhões de participantes da prova fossem da rede pública.
A secretária para assuntos educacionais do Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Pernambuco (SINTEPE), Marília Cibelle, afirma que a baixa contribuição para as notas máximas na redação é resquício da pandemia, mas também da política educacional adotada desde o governo Temer e aprofundada com o governo Bolsonaro, que esvaziou o Ministério da Educação com a retirada de investimentos.
De acordo com o Inep, metade dos jovens que concluíram o ensino médio em 2023 participaram do exame. Mas quando se observa apenas o ensino público, o número é um pouco menor: 46% dos estudantes concluintes de escolas públicas fizeram o Enem 2023.
A diretora da cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE), Maya de Sena, aponta que os últimos resultados do Enem têm escancarado as desigualdades entre o ensino público e privado, principalmente porque esta juventude que está nas escolas públicas “tem que se dividir entre estudar e trabalhar, priorizando cada vez mais o trabalho”. Portanto, não conseguirem se preparar adequadamente.
Diante dos dados que apontam a dificuldade dos estudantes concluírem o ensino médio nos últimos anos, o Governo Federal criou o Programa Pé de Meia, que consiste em um incentivo financeiro para estimular a permanência no Ensino Médio e a realização do Enem pelos estudantes da rede pública de ensino.
Marília Cibelle acredita que o programa “vai impulsionar, mas não podemos esquecer que não se assegura a permanência desses estudantes na sala de aula se não garantir condições de trabalho para esse professor, se não garantir para ele uma carreira e atrair jovens para a docência, para a licenciatura”.
No âmbito estadual, a diretora do SINTEPE aponta que as poucas notas máximas na redação refletem a ausência de uma política educacional direcionada. Pernambuco é o estado que mais possui escolas em tempo integral, “mas a gente vê que isso não se reflete na retomada das políticas de valorização dos trabalhadores e na política de permanência desses estudantes”, conclui.
Invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pelas mulheres
Como de costume, o tema da redação do Enem foi assunto de debate no fim de 2023. A questão da invisibilidade do trabalho do cuidado realizado pelas mulheres dividiu opiniões houve incompreensões sobre a relevância da questão.
Para Betânia Ávila, socióloga e militante da ONG feminista SOS Corpo, essa é uma grande questão para a sociedade, pois faz parte do cotidiano e “é também um trabalho que do ponto de vista do sistema que a gente vive - esse sistema capitalista, racista e patriarcal -, é um trabalho cuja invisibilidade favorece a acumulação capitalista. Porque o fato dele não ser visto, faz ele não ser valorizado, não ser entendido como um trabalho.” Ela ressalta a importância do tema ter sido colocado para milhares de jovens refletirem sobre a questão.
A média nacional das redações foi de 641,6, o que pode indicar uma dificuldade dos estudantes em dissertarem sobre o tema. “Acho que é uma forma de aprendizado, porque a reflexão sobre algo, escrever sobre algo, é uma maneira de você dizer o que sabe, mas há um momento de compreensão que eleva o seu grau de conhecimento e também de sensibilidade sobre aquela temática”, conclui.
Diante da média, Maya de Sena lembra que essa juventude que fez o Enem 2023 é a mesma que vivenciou a implementação do Novo Ensino Médio, projeto educacional que secundariza a reflexão política e social dentro das escolas. “Eles não têm essa formação, não são provocados a pensar. Como que a gente supera isso?!", indaga.
O desafio, não só para juventude, mas para a sociedade, é a produção de conhecimento crítico, que se proponha a uma análise da realidade social e a formulação de políticas públicas que garantam a realização do trabalho reprodutivo e do trabalho do cuidado a partir da vivência e produção das mulheres.
Edição: Vinícius Sobreira