Na Região Metropolitana do Recife, a cidade do Ipojuca ganhou mais projeção a partir da consolidação do polo industrial de Suape, que abriga a Refinaria Abreu e Lima e outros empreendimentos. Nos pleitos eleitorais deste ano, além das tradicionais famílias Sales e Santana, que polarizam a política local, o bolsonarismo tem duas candidaturas e um primo do presidente Lula tenta se viabilizar para a disputa.
A prefeita Célia Sales (União Brasil) escolheu a vereadora Adilma Lacerda (PP) para sucedê-la e se orgulha já ter amarrado o apoio de 10 partidos, incluindo o PSDB da governadora Raquel Lyra, o PSD, o MDB e o União Brasil. O grupo engloba 8 dos 13 vereadores ipojucanos.
Natural de Caruaru, Adilma é empresária e vereadora em primeiro mandato, eleita com 1,7 mil votos em 2020 (8ª entre os 13 vereadores) além de parente da atual prefeita. A entrada de Adilma no PP foi às pressas, porque inicialmente ela seria candidata pelo PL, num movimento articulado presidente municipal do partido, Eduardo Machado, irmão do ex-ministro bolsonarista Gilson Machado Neto.
Mas o grupo foi pego de surpresa quando os irmãos Anderson e André Ferreira, dirigentes do PL no estado, anunciaram a filiação e pré-candidatura de Patrícia de Leno, atual vice-prefeita, evangélica, mas que foi preterida por Célia Sales. A desavença levou os Ferreira a destituírem o diretório municipal do PL e forçou Adilma Lacerda a buscar outra sigla, sendo abrigada no PP de Eduardo da Fonte.
O ex-ministro Gilson Machado, que é pré-candidato a prefeito do Recife, ameaça revide em Jaboatão dos Guararapes, cidade central para os Ferreira, onde Anderson foi prefeito. Em Jaboatão, o prefeito Mano Medeiros (PL) tem como concorrente a deputada federal Clarissa Tércio (PP), bolsonarista ainda mais radical que Mano. Próximo a Bolsonaro, Gilson Machado ameaça convencer o ex-presidente a declarar apoio a Clarissa Tércio contra o prefeito do próprio PL.
Em entrevista ao Brasil de Fato Pernambuco, Aderbal Ferreira, presidente municipal do PT em Ipojuca, ameniza as críticas às duas candidatas do campo bolsonarista. “Adilma é a candidata de uma gestão bolsonarista, mas ela não é bolsonarista. É uma pessoa decente. Mas o palanque dela é bolsonarista e talvez não caiba a gente. Lula não subiria num palanque desse, seria um constrangimento”, diz ele.
Sobre Patrícia de Leno (PL), Aderbal conta que chegou a se reunir com ela. “Nos surpreendeu ela ir para o PL, porque era uma amiga nossa, amiga do PT. Enquanto tentava obter apoio da prefeita, chegou a se reunir conosco duas vezes”, lembra ele, que vê como “completamente descartada” qualquer possibilidade de aliança com a candidata do PL. “É um racha da extrema-direita e eu quero ver essa briga”, afirma.
O vereador Paulo Alves (Avante), eleito como o mais votado em 2020, também tem se colocado como pré-candidato a prefeito, apesar de integrar a base de Célia Sales na Câmara. Ele enfrenta problemas judiciais, tendo sido condenado recentemente pelo crime de peculato. Paulo responde em liberdade e só estará inelegível se condenado por órgão colegiado do TJPE.
O crime de peculato pelo qual é acusado se refere, no caso dele, à suposta participação em esquema de nomeação de funcionários fantasma seguido da prática da “rachadinha” - cometidos em 2007, no gabinete do vereador Junior Alves, seu irmão. Segundo a Justiça, a dupla atuava conjuntamente. Junior Alves está inelegível e escolheu Paulo para substituí-lo.
Tanto Adilma Lacerda (PP) como Patrícia de Leno (PL) e Paulo Alves (Avante), todos são de algum modo ligados à gestão Céla Sales. O único candidato, até o momento, que é de fato opositor é Carlos Santana (Republicanos). Ele acumula quatro mandatos de prefeito (1989-92, 1997-2000-2004 e 2013-16) e dois de deputado estadual (2007-12).
Santana foi candidato nas últimas 5 eleições municipais: 2008, 2012, 2016, 2017 (suplementar) e 2020, tendo vencido em 2012 e perdido as três últimas para Romero (2016) e a esposa Célia Sales (2017 e 2020). Antes, em 2008, o vencedor foi Pedro Serafim (PDT), que saiu de cena após condenação por improbidade administrativa.
As duas famílias hegemônicas possuem representates na Assembleia Legislativa (Alepe), com os deputados estaduais Romero Sales Filho (União Brasil) e Simone Santana (PSB), esposa de Carlos.
Carlos Santana foi do PSDB por 10 anos, mas em 2020 foi candidato pelo PSB. Agora encara a disputa pelo Republicanos do ministro Silvio Costa Filho. Quando Santana estava no PSDB, o PT do município apoiou os Sales (PTB). Mas em 2020, com o PTB abraçado ao bolsonarismo e Carlos no PSB, o PT foi com Santana. “Sempre foi de tucano, de direita, e até apoiou Aécio contra Dilma”, pontua o presidente municipal do PT.
Mas pela descrição do cenário local feito por Aderbal Ferreira, é com Carlos Santana (Rep) que o PT tende a caminhar. “Aqui no município o PV tem mais força na federação [Brasil da Esperança, vínculo formal entre PT, PCdoB e PV], porque no município os espaços de decisão da federação são divididos de acordo com a votação na última eleição municipal”, explica ele. “Mas se os outros dois partidos [PT e PCdoB] se juntarem, vencemos o outro”, calcula.
Acontece que, segundo Aderbal, o presidente municipal do PV é sobrinho de Carlos Santana e quer arrastar a federação para apoiar a candidatura do tio. “Estamos entre Carlos Santana, Adilma Lacerda ou uma candidatura própria - o que for menos ruim”, confessa o dirigente petista. O palanque bolsonarista de Adilma, no entanto seria constrangedor para o PT. O partido também não tem nenhum nome viável para uma candidatura própria. Mas chegou a ensaiar.
Candidatura do PT e o primo de Lula
No mês de janeiro, o PT em Ipojuca fez uma grande festa com a presença do senador Humberto Costa para anunciar a filiação do advogado e vereador Deoclécio Sobrinho, que seria pré-candidato a prefeito pelo partido. “É um dos poucos vereadores de esquerda na Câmara. Tenho muito respeito por ele, quero que ele se reeleja, porque faz um bom trabalho. Mas ele não foi correto com o PT”, conta Aderbal.
Há algumas semanas Deoclécio recuou e se filiou ao Republicanos junto com Carlos Santana. “Eu só soube pelas redes sociais. O cara saiu e nem nos comunicou nada, nem a mim e nem ao senador Humberto, que se expôs vindo a Ipojuca anunciá-lo como candidato de Lula”, reclama Aderbal. “Para a gente era uma felicidade tê-lo como candidato, mas ele foi covarde conosco. E até agora não teve dignidade de pedir desculpas”, lamenta.
O único nome da federação PT-PCdoB-PV que tem se colocado como pré-candidato é Sebastião Aderbal, o “Bal de Lula”, primo direto do presidente da República. Bal vive em Ipojuca desde a década de 1990, onde trabalhava como motorista carreteiro. Magro e de cabelo comprido, ganhou o apelido de “Rato”. Nos últimos anos tem colaborado localmente com campanhas de deputados petistas ou de políticos locais. Segundo o dirigente petista, Bal tem parentes em cargos comissionados na atual gestão. “Como ele é oposição assim? Acho que é meio laranja da gestão”, aponta.
Filiado ao PT há anos, Bal enfrentou resistência interna à sua postulação e confrontou o presidente municipal da sigla. "Na busca por se viabilizar, Bal de Lula migrou para o PCdoB, que é da mesma federação partidária que o PT, e já ocupa cargo como dirigente municipal do PCdoB".
O presidente do PT considera a candidatura inviável. “É uma figura legal, mas sem muita noção de política. Ele não tem história de militância, nem mesmo no PT. Ele é primo de Lula e ponto”, avalia. O dirigente petista acredita que, sem candidatura própria, Bal tende a apoiar Adilma Lacerda, independente da posição da federação.
Esquerda sem força
No Ipojuca os partidos de esqurda não têm um bom histórico recente. Em 2020 os 14 candidatos a vereador pelo PT somaram apenas 505 votos. Aderbal Ferreira recorda da “rasteira” que o partido levou em 2020, quando ainda tinha cargos na gestão de Célia Sales. “Eles exoneraram os petistas um dia após o prazo de desvinculação de cargos, impedindo as candidaturas de pessoas que teriam voto. Fomos obrigados a montar uma chapa com gente que tinha 50 votos”, reclamou.
Para 2024 o presidente municipal do PT está um pouco mais otimista. “Nessa janela partidária filiamos alguns companheiros de esquerda e que não tinham filiação. Agora temos alguns meses até fechar a chapa”, informou.
A Federação Brasil da Esperança terá 14 candidaturas (5 petistas). “Mas o PV deve ter mais estrutura para campanha porque está sob influência de Carlos Santana”, diz Aderbal. Atualmente a federação não possui um vereador sequer. O coeficiente eleitoral está estimado em 6 mil votos para eleger um mandato.
Em 2016 o PT somou míseros 77 votos com 4 candidaturas. Em 2012 o PT teve o deputado federal Pedro Eugênio como candidato a prefeito, mas ficou em 4º lugar com 2,9 mil votos (5,8%). Nem nesta ocasião o PT elegeu vereador: seus 5 candidatos somaram 164 votos.
Em 2020 o PCdoB e o PSOL sequer tiveram chapa. PDT, Rede e PV se saíram melhor que o PT, mas não elegeram ninguém. O PSB elegeu dois vereadores, mas ambos deixaram o partido. Em 2016 o PSB elegeu justamente Deoclécio, que segue como vereador, reeleito em 2020 pelo PSD e hoje filiado ao Republicanos.
Aderbal Ferreira cita que quem está na gestão tem muita força para avançar sobre outras bases eleitorais. “É uma prefeitura que arrecada R$2 bilhões ao ano”, destaca. “É uma cidade rica, mas com um povo muito pobre, dependente dos salários baixos do setor do turismo. Aqui tem 73 engenhos de cana de açúcar, então o povo depende dos empregos dados pela gestão", afirma.
Economia
A consolidação do porto e do polo industrial de Suape, além da construção da Refinaria Abreu e Lima, todos instalados no município, fizeram a arrecadação de impostos saltar e o Produto Interno Bruto (PIB) do Ipojuca chegar a 14,93 bilhões (2021), terceiro maior PIB de Pernambuco e 85º do Brasil. Com 99 mil habitantes, Ipojuca tem apenas o 13º maior contingente populacional do estado e 321º do Brasil.
Mas a história da cidade é ligada aos engenhos de monocultura da cana de açúcar, onde ainda vive um razoável parcela da população ipojucana, com precário ou nenhum saneamento e sem acesso a direitos básicos como educação e transporte.
Edição: Helena Dias