Por Pedro Alcântara*
A eleição de 2024 no Recife contará com uma novidade: o PT, pela primeira vez, não apresentará aos recifenses um candidato ou candidata à prefeitura. Desde os anos 1980, quando o partido surgiu e começou a disputar maioria na sociedade, sempre se colocou como uma opção para o debate sobre as causas mais importantes da cidade, dialogando especialmente com os problemas urgentes das classes populares e das camadas médias identificadas com o combate às desigualdades sociais.
A longa jornada de debate e disputa dos rumos da cidade, associada ao crescimento do PT no país, tornou possível o acumulo de força social e política da base petista, culminando na vitória histórica e chegada à prefeitura no ano 2000.
Entre 2000 e 2012 os governos petistas protagonizaram mudanças substanciais em Recife. As gestões do PT reuniram em torno de si um grupo importante de especialistas renomados e lideranças identificadas com a luta popular nas mais diversas áreas, o que rendeu inovações na saúde, habitação, prevenção de desastres ambientais, educação, nos direitos das mulheres, esporte e lazer, urbanismo, cultura, entre outros. Bairros periféricos inteiros foram revolucionados, como Brasília Teimosa, e pela primeira vez a população pobre da cidade se sentiu notada e cuidada.
O sucesso das políticas públicas dos nossos governos em Recife foi tão grande que algumas delas foram adaptadas pelo Governo Federal, sob a liderança de Lula, a exemplo do SAMU, e reverenciadas e imitadas Brasil afora, caso do histórico avanço da participação popular com o prestigiado Orçamento Participativo, que virou referencia internacional.
O povo mais pobre do Recife não morria nos morros, tinha mais acesso a saúde, educação, cultura e finalmente, após séculos de dominação de sucessivas elites e muitas revoluções, participava efetivamente do governo do município. É como se a velha vila nascida ao redor da pesca e de seu porto finalmente se abrisse para o protagonismo, não dos condes e suas cortes que vinham em navios, mas do ribeirinho, do estivador e do escravizado que a construíam diariamente com seu suor, sua luta, sua dança, seu estilo de vida.
As mudanças foram tão profundas que até hoje são lembradas com entusiasmo por parcelas importantes da população. O ciclo petista terminou muito mais em função de erros políticos de tática e estratégia do próprio partido, que consumiu sua energia numa disputa interna resultando no afastamento de aliados importantes, o que comprometeu as condições políticas do PT na cidade naquele específico ano de 2012.
A derrota eleitoral naquele ano ressoa na perda de importância relativa do partido no estado até hoje, mas ainda assim não foi capaz de liquidar com a força petista na capital, que segue viva e se expressa eleitoralmente, visto que mesmo nos períodos mais críticos do petismo no Brasil, em 2016 e 2020, as candidaturas do PT à prefeitura de Recife chegaram fortíssimas ao segundo turno das eleições municipais.
Para onde irá esse eleitor? Mais que isso, o que fará essa força social identificada com a carga simbólica imensa acumulada pelo PT no Recife, potencializada pela volta de Lula à presidência, agora que o partido não terá candidato à prefeitura da cidade? Essa é uma questão que muito interessa aos partidos que orbitam ao redor da força do lulismo.
Por motivos óbvios deveria ser uma questão observada, ressaltada e equacionada pelo próprio PT, possuidor de um acúmulo político histórico na capital, construído com a contribuição de uma multidão de quadros, militantes e lideranças. Porém, não parece que isso tem sido trabalhado dessa forma.
Em 2024 o PT vem agindo como um gigante que se esqueceu de seu tamanho, de sua história, de sua força no Recife. Ao invés de demarcar seu capital político frente a outros atores, entregou-se a uma corrida descabida por um espaço na chapa majoritária do atual prefeito, sem discutir a cidade, sem defender a natureza política de seu legado, sem apontar a necessidade de avanços a partir de uma perspectiva popular ou explicitar sua contribuição nos espaços que hoje ocupa.
Apostou prematuramente no surgimento de uma figura política inusual: o “pré-candidato a vice” ainda não escolhido pelo mandatário da chapa. Só é pré-candidato a vice quem já teve seu nome avalizado pelo protagonista político da chapa, juntando-se posteriormente a ele, aí sim, agora na condição da dupla de pré-candidatos. Fora disso o que há é somente intenção, nesse caso erradamente convertida em proposição pública. Para piorar, uma intenção disputada por mais de um nome.
Erros estratégicos dessa dimensão são talvez corrigíveis apenas com a ação mediadora e sempre habilidosa de Lula e da direção nacional, o que inclui o grupo nacional que coordena as estratégias eleitorais, associada à mudança de postura e ação do PT local, que deve se esforçar para debater o Recife, mobilizar nossa base e manter preservado nosso tamanho e influencia.
Seja como for, o PT deveria estar concentrado em reafirmar sua grandeza na cidade, frente a qual inclusive uma vaga de vice é pouco. Deve buscar fortalecer sua chapa de vereadores, desafiada pelo ineditismo da atuação no interior de uma federação partidária forte e ameaçada pelo espírito hegemonista do grupo que hoje lidera a prefeitura, que comanda as articulações de formação das chapas e organiza a distribuição territorial de candidaturas competitivas.
O que parece estar passando despercebido no PT é que a nossa base social está em disputa e nosso futuro enquanto líderes desse conjunto da sociedade está sendo traçado agora mesmo por atores externos a nós, que buscam acertadamente construir maiorias sociais duradouras para projetos políticos robustos e a quem não interessa uma força petista protagonista em 2026, muito menos um petismo persistente a longo prazo. Trata-se de uma encruzilhada que pode levar o partido a uma derrota histórica e abrir um período de decadência política.
Como na política não há espaço vazio, nossa base, cujas novas gerações não escutam a voz do PT reavivando, defendendo e buscando atualizar o seu legado, podem se dispersar e iniciarem um novo momento político junto a outras forças. O impacto da ausência histórica do partido na disputa majoritária e a forma equivocada como vem sendo construída a tática de aliança parecem não ser percebidas por importantes lideranças petistas no estado. É preciso cobrá-las e lembra-las que ainda há tempo de mudar os rumos da prosa.
O PT precisa rediscutir a cidade de maneira programática, apostar na renovação de seus quadros e fazer um grande esforço para unir suas principais lideranças em torno do fortalecimento de nossas condições políticas e da mobilização de nossa base social.
Mais do que nunca é hora de lembrarmos da nossa capacidade e afirmarmos a nós mesmos, sem hesitação: o PT pode mais.
*Pedro Alcântara é doutor em ciências sociais pela UFRN e membro da direção executiva do PT em Pernambuco.
Edição: Vinícius Sobreira