Por Tomás Agra*
É natural que toda disputa municipal se prenda às questões locais da cidade, à administração do atual prefeito, seus erros e acertos e, lógico, à disputa de poder, onde cada grupo político, seja de esquerda ou de direita, irá buscar seu espaço, como deve ser nas regras da democracia. Entretanto, busco aqui analisar um fator que tem passado despercebido em muitas análises eleitorais, que erram, a meu ver, ao isolar a disputa de 2024 como algo restrito à nossa cidade.
Por isso, acho muito importante traçar um raio-x sobre o bolsonarismo no Recife, para que tenhamos, de maneira material e concreta, um diagnóstico sobre aqueles que são os nossos principais adversários na política como um todo, seja nas ruas ou nas urnas.
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Iniciaremos essa análise a partir de 2016 - lembrando que esse ano foi talvez o auge do antipetismo, com Haddad perdendo a prefeitura de São Paulo para João Doria no 1º turno. No Recife, a principal disputa foi entre a centro-esquerda, representada por Geraldo Júlio (PSB), e a esquerda, representada por João Paulo (PT), que foram ao 2º turno. Não houve nenhum candidato da extrema-direita e até sentimos saudade da época em que a direita do Recife era representada por Daniel Coelho (PSDB) e a atual vice-governadora Priscila Krause (DEM).
Em 2018, ano em que Bolsonaro (então no PSL) foi eleito presidente, ele teve 436,7 mil votos (47,5%) no Recife, enquanto Haddad (PT) obteve 482,6 mil (52,5%). Para deputado federal, os mais votados no município foram João Campos (PSB), com 70,8 mil votos; Felipe Carreras (PSB), com 67,2 mil; e Marília Arraes (então no PT), com 54,2 mil votos.
O bolsonarismo em sua vertente evangélica já mostrava força na cidade, com André Ferreira (então no PSC) com 46,4 mil votos, à frente de Daniel Coelho (então no PSDB), que teve 39,9 mil e Luciano Bivar (no PSL), com 38,5 mil, líder do partido que abrigava Bolsonaro. Na base estadual, o pastor Cleiton Collins (PP) foi o 2º mais votado, com 28,7 mil votos.
Apesar de fortalecerem suas bases com o bolsonarismo, tanto a bancada evangélica quanto o próprio Bivar são fenômenos pré-bolsonaristas, sendo este último abandonado pelo bolsonarismo nos primeiros anos de governo. Mas a bancada evangélica radicalizou seu discurso a partir de pautas anti-LGBT e anti-aborto, passando a se integrar de maneira cada mais sistemática à base bolsonarista.
Naquela eleição de 2018 o bolsonarismo demonstrou força na capital, o que é evidente pela quantidade de votos obtida por Bolsonaro, mas muito mais como uma figura nacional que se organizava fora dos meios políticos tradicionais da direita recifense do que como uma base bolsonarista consolidada.
Nas eleições de 2020, por trás da disputa entre João Campos (PSB) e Marília Arraes (no PT), notamos dois fenômenos: a direita passou por um processo de disputa entre uma linha neoliberal e de centro, representada por Mendonça Filho (então no DEM), e a ala bolsonarista, que aparece pela primeira vez na disputa municipal, ainda que totalmente esfacelada, com diversos candidatos - entre eles a Delegada Patrícia (Podemos), que teve 112,3 mil votos; Carlos Lima (PSL), com 13,9 mil; e Coronel Feitosa (no Patriota), com apenas 9,4 mil votos.
Naquela eleição notamos que, ainda que desorganizada, a base bolsonarista começava a ter representatividade política, a ponto de disputar com a direita mais tradicional, ligada ao PSDB e ao DEM.
Nas eleições de 2022 observamos duas dinâmicas: a queda do número de votos de Bolsonaro (PL) para 309,9 mil, contra 538,5 mil votos de Lula (PT) - que conseguiu aglutinar mais força política que Fernando Haddad no Recife (56% x 43%). Mas ao olharmos as eleições proporcionais, ficamos preocupados. Para senador, mesmo com a vitória folgada no estado, Teresa Leitão (PT) - com 362,3 mil votos (43,7%) no Recife - teve uma disputa acirrada contra o bolsonarista Gilson Machado (PL), que teve 323,7 mil (39%).
Os deputados federais mais votados no Recife foram Clarissa Tércio (PP), com 75,9 mil votos; André Ferreira (PL), com 68,7 mil, ambos bem à frente do 3º colocado Pedro Campos (PSB), com 52,6 mil. Eles são seguidos por Robeyonce (PSOL), com 38,4 mil votos; Túlio Gadelha (PDT), com 36,6 mil; e Daniel Coelho (Cidadania), com 34,9 mil.
Para deputado estadual, o primeiro colocado foi o Pastor Júnior Tércio (Podemos), com 57,8 mil votos; seguido por Coronel Alberto Feitosa (PL), com 47,6 mil - praticamente quadruplicando sua votação de dois anos antes, como candidato a prefeito. A 3ª colocada foi a delegada Gleide ngelo (PSB), com 39,9 mil votos; João Paulo (PT), com 37,2 mil; e Francismar Pontes (PSB), com 34,3 mil. A direita tradicional só aparece na 12ª posição, com Romero (UB), com 16,5 mil votos.
As eleições de 2022 demonstram que mesmo com a derrota nacional de Bolsonaro, no Recife podemos afirmar a existência de uma base coesa e organizada do bolsonarismo, inclusive infringindo derrotas à direita tradicional e incomodando bastante a esquerda em todos os cenários possíveis.
Não à toa, Gilson Machado (PL) aparece em 2º lugar, com 21,4%, na pesquisa Atlas/CNN (abril/2024) de intenção de voto para a Prefeitura do Recife. O prefeito João Campos (PSB) tem 57,3%, João Paulo (PT) tem 7,7%; Dani Portela (PSOL) 4,6% e Daniel Coelho (PSDB) 3%.
Nesse cenário, nós da esquerda precisamos, primeiramente, ter a frieza de entender que, independentemente de cada leitura partidária sobre a necessidade ou não de se ter candidatura própria e independentemente das críticas que devemos fazer à gestão de João Campos (PSB), a disputa fratricida entre esquerda x esquerda só fez enfraquecer o nosso grupo e contribui para a unidade bolsonarista na cidade.
O nosso principal adversário chama-se Gilson Machado (PL), representante de Jair Bolsonaro e de toda sua base organizada na capital. Os bolsonaristas de ocasião, que hoje compõem a base do prefeito, têm data e prazo de validade para sair de seu palanque e abraçar Gilson, principalmente se a eleição for para o 2º turno, como foram todas as eleições municipais desde 2016.
Isso porque a base bolsonarista está muito consolidada ideologicamente. E mesmo que determinado pastor ou liderança política local feche seu apoio ao atual prefeito para a disputa majoritária, aquele eleitorado tende a votar ideologicamente, não pela indicação.
Devemos entender que esse enfrentamento ao bolsonarismo é estratégico para todo campo progressista e de esquerda, principalmente nas eleições que realmente importam para o destino do nosso país, que é a de 2026. Barrar o crescimento do bolsonarismo nas capitais do Nordeste é uma tática e estratégia de todo militante de esquerda e progressista que esteja empenhado em impedir a volta deles ao poder.
*Tomás é advogado, militante do MST e pré-candidato a vereador do Recife
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Edição: Vinícius Sobreira