Pernambuco

DISPUTA FUNDIÁRIA

Após ataque armado de encapuzados, população protesta em defesa da horta comunitária no Jiquiá

Espaço comunitário foi erguido em área tida como pública e com apoio da prefeitura, mas empresário reivindica terreno

Brasil de Fato | Recife |
Comunidade se reuniu para protestar contra ação criminosa contra a horta e contra uma liderança local - Derliton Silva/Centro Sabiá

Nesta segunda-feira (8) dezenas de pessoas participaram de protesto no terreno em que fica a horta comunitária da Comunidade Aliança com Cristo, no bairro do Jiquiá, zona oeste do Recife. Na última sexta-feira (5) a horta foi destruída por um grupo de homens armados e encapuzados, que dispararam tiros e fizeram ameaças de morte contra moradores.

O ato em solidariedade à comunidade reuniu um grande grupo, em sua maioria mulheres - entre elas, Elizângela Jesus, que foi ameaçada de morte pelos encapuzados. Ela foi uma das que flagrou o grupo derrubando as cercas e destruindo a horta na madrugada da quinta para a sexta-feira. Ela se dirigiu aos homens, que efetuaram disparos de armas de fogo e a ameaçaram de morte. Uma das vizinhas colocou a liderança para dentro de casa. A popular “Janja” decidiu deixar a comunidade, ao menos temporariamente.

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Batizada como Sítio Agroecológico das Margaridas, a horta é conduzida principalmente pelas mulheres da Comunidade Aliança com Cristo, que por sua vez surge de uma ocupação de famílias sem teto no ano de 2016. Na comunidade vivem hoje mais de 200 famílias que se reconhecem na bandeira do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Mulheres que atuam na horta participam de um programa de formação liderado pelo Centro Sabiá.

No ato de hoje, a coordenadora técnico-pedagógica do Centro Sabiá, Aniérica Almeida, pediu medidas contra os responsáveis pelo ocorrido. “Não podemos deixar essa violência passar despercebida. Precisamos responsabilizar quem de fato criou essa situação e ameaçou vidas”, disse ela, que lembra ainda que foram as mulheres da Aliança com Cristo que fizeram diversos mutirões para retirar o lixo e o mato que tomava conta do terreno e lembrou que esta não foi a primeira ameaça.

O terreno da horta fica na rua Passo da Santa Cruz e é considerado público pela Prefeitura do Recife, mas também é reivindicado pelo advogado e empresário pecuarista Delmiro Gouveia. Ele é uma liderança política e empresarial dos criadores de animais para abate, estando atualmente como presidente da Sociedade Nordestina dos Criadores, onde seu vice é o deputado estadual pernambucano Claudiano Martins Filho (PP).


Terreno é reivindicado pelo pecuarista Delmiro Gouveia, presidente da Sociedade Nordestina dos Criadores, do Cabanga Iate Clube e, por nomeação da governadora Raquel Lyra, preside o Porto do Recife / SNC/divulgação

Influente, Delmiro Gouveia também preside o Cabanga Iate Clube e foi nomeado pela governadora Raquel Lyra (PSDB) para a presidência do Porto do Recife, indicado pelo deputado federal Luciano Bivar (União Brasil).

O MTST, em nota, lembra que “a Prefeitura do Recife, no momento da instalação do Sítio Agroecológico, entregou uma certidão negativa garantindo que o terreno na esquina das ruas Passo de Santa Cruz e Porto Estrela não possui qualquer registro”. A nota diz ainda que o movimento entrou em contato com o secretário executivo de Governo do Recife, Victor Pinheiro, que teria respondido que “a pessoa que se diz proprietária não demonstrou interesse em se posicionar legalmente para provar sua posse”.

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A construção do espaço comunitário contou com apoio técnico da Secretaria Executiva de Agricultura Urbana do Recife, que fez um estudo e, segundo informações da reportagem da Maro Zero, não encontraram qualquer registro de propriedade no 7º Cartório de Imóveis do Recife. Ainda segundo a Marco Zero, representantes do empresário teriam procurado a Prefeitura do Recife alegando que Gouveia havia arrematado o terreno por R$150 mil através de leilão.

A Aliança com Cristo sofre com a negligência e a ausência do poder público, carecendo de serviços de abastecimento de água e saneamento, unidades básicas de saúde e insuficiência de vagas escolares na região. A comunidade fica numa área cujo metro quadrado do terreno tem se valorizado, estando a pouco mais de 2km da área de preservação ambiental Parque do Jiquiá, onde está a Torre do Zeppelin.

Edição: Helena Dias