Pernambuco

EM DEFESA DA VIDA?

Contrário ao aborto mesmo em casos de estupro, pernambucano Pastor Eurico facilitou agrotóxicos que causam morte do feto

Glifosato é apontado como causador de abortos “espontâneos”, má formação fetal e outras doenças em mães e bebês

Brasil de Fato | Recife |
Deputado federal por Pernambuco, Pastor Eurico (PL) é contra o aborto após 22 semanas de gestação, mas contribuiu para uso facilitado de agrotóxico que causa aborto - Câmara dos Deputados

O deputado federal Pastor Eurico (PL) é um dos nomes que assinou o Projeto de Lei 1904/2024, conhecido como “PL do Estupro”. Caso aprovado, o projeto torna crime a realização de aborto após 22 semanas de gestação, mesmo nas situações hoje permitidas pela lei, como nos casos de feto anencéfalo, gestações resultantes de estupro ou com risco de morte para a mulher. O mesmo deputado, no entanto, apoiou a liberação de agrotóxicos que provocam abortos em mulheres agricultoras.

O levantamento do Repórter Brasil mostra que dos 56 deputados que assinaram o “PL do Estupro”, 51 votaram a favor do “PL do Veneno” dois anos antes. O Projeto de Lei  1459/2022 libera o uso de uma série de agrotóxicos no país. Na reportagem você encontra a lista completa dos deputados que apoiam esses dois projetos que são contraditórios entre si, apesar de não parecer terem relação num primeiro momento.

Após aprovado e sancionado, tornou-se a Lei Federal 7.802, apelidada de “Lei dos Agrotóxicos”. Ela acaba por afrouxar as regras para a liberação e uso de herbicidas e outros defensores químicos agressivos, que contaminam os próprios vegetais, o solo, os trabalhadores que aplicam os venenos e mesmo seus familiares e vizinhos das plantações que recebem os produtos.

Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal do Ceará (UFC), no polo de fruticultura na região do Baixo Jaguaribe (CE), revelou que 60% dos trabalhadores do setor apresentavam quadros de intoxicação, câncer, aborto, malformação fetal, doenças neurológicas, puberdade precoce e outros distúrbios hormonais.

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A advogada Cristina Rosero, integrante da ONG internacional Centro de Direitos Reprodutivos, disse ao Repórter Brasil que “se o Estado tem o interesse de proteger a vida pré-natal, a vida em gestação, uma maneira muito efetiva de fazer essa proteção é limitar os agrotóxicos no país”.

O Brasil de Fato Pernambuco entrou em contato com o deputado Pastor Eurico questionando se via contradição em suas posições nestes temas, que contatou a nossa equipe, mas até o momento não quis falar sobre o tema.


Intoxicações confirmadas por agrotóxicos de uso agrícola / Bruno Fonseca e Larissa Fernandes/Agência Pública

Organizações e pesquisadores que atuam no tema afirmam ainda que muitas mães, ainda no período de amamentação, acabam transferindo para seus bebês os resíduos de agrotóxicos adquiridos por elas no trabalho na agricultura. A matéria da Repórter Brasil afirma ainda que muitas mulheres, mesmo sem trabalharem diretamente com agrotóxicos, podem ser afetadas pela proximidade das áreas de cultivo ou pelo contato com roupas contaminadas de familiares.

Dados do Ministério da Saúde mostram que o Recife foi a cidade do Brasil com maior número de atendimentos a pessoas intoxicadas. O polo hospitalar da capital pernambucana recebe milhares de pacientes de outros municípios e até de estados vizinhos. O Paraquat é uma substância cujo uso era recorrente na monocultura da cana de açúcar.

Entre 2010 e 2019 foram mais de 200 mortes no Brasil causadas só por dois produtos do tipo: o glifosato (vendido sob a marca Roundup) e o Paraquat, que foi proibido pela Anvisa a partir de 2020, mas empresários do agronegócio e da produção do produto tentam reverter a medida na Justiça.

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Aprovado na Câmara dos Deputados em 2022, o “PL do Veneno” passou pelo critvo também no Senado, em 2023, sendo sancionado (com vetos) pelo presidente Lula no apagar das luzes de 2023. A postura dos parlamentares foi criticada por instituições da área de saúde, como a Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

Lula vetou 14 pontos, tentando manter a fiscalização dos agrotóxicos sob responsabilidade da Anvisa e do Ibama, além de manter a obrigatoriedade de que as embalagens tragam informações sobre os riscos que o produto oferece à saúde humana. Mas não adiantou.

Em maio de 2024 os próprios deputados derrubaram os vetos, de modo que a fiscalização passou a ser tarefa do Ministério da Agricultura e as empresas não têm mais obrigação de informar os riscos na embalagem dos produtos.

O PL do Veneno é de autoria do deputado federal Blairo Maggi (PP do Mato Grosso), que também é um dos maiores empresários da soja no Brasil. Ele foi ministro da agricultura durante os anos de Michel Temer na Presidência da República.

Edição: Vinícius Sobreira