A produção de gesso no Brasil está provocando uma crise ambiental no bioma Caatinga, no sertão pernambucano. Para produzir o gesso, as empresas têm optado, há décadas, pela queima de lenha extraída da vegetação local. Sem o devido replantio, o desmatamento está cobrando seu preço - os empresários do setor estão vendo seus lucros diminuírem, por não encontrarem lenha na região.
No Sertão do Araripe (PE), a cerca de 700 km de Recife, a região é responsável por 97% da produção de gipsita do Brasil, a quarta maior reserva mundial. Documento do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA), Instituto Tecnológico de Pernambuco (ITEP) e pelo próprio sindicato patronal da Indústria do Gesso (Sindugesso), em 2014 funcionavam nessas cidades mais 40 minas de gipsita, com 170 indústrias de calcinação e 750 indústrias de peças de gesso pré-moldado.
Toda essa indústria é movida à lenha. O mesmo documento informa que a matriz energética majoritária nessas indústrias é a queima de madeira (73%), seguida pela queima do carvão betuminoso (10%), queima de óleo BFP e óleo diesel (13%) e apenas 3% do consumo é de energia elétrica.
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Por lá, são queimadas milhares de toras de madeira todos os dias, para manter os fornos funcionando dia e noite, sete dias na semana. E a negligência na implementação de alternativas energéticas, somada a anos de desmatamento, é o que ameaça colapsar o polo de maior produção de gesso no país.
Para transformar a gipsita em gesso é necessário um processo de calcinação que consome muita lenha. Desde a década de 1960, a caatinga tem sido convertida em carvão para alimentar essa indústria, sem a devida reposição da vegetação.
A busca por madeira cada vez mais distante, chegando a 700 km de distância do polo, tem encarecido o processo e reduzido a margem de lucro dos empresários. O custo da lenha já chega a R$ 230 por tonelada, enquanto a tonelada do gesso tem sido comercializada a R$ 250. A situação financeira das empresas está crítica.
As indústrias tornaram-se vítimas de sua própria irresponsabilidade ambiental. Até o presidente do sindicato patronal das Indústrias do Gesso do Araripe, Jefferson Araújo Duarte, admite que “o setor gesseiro enfrenta um colapso iminente”. É o que mostra a reportagem da revista semanal Fantástico, da TV Globo.
O polo gesseiro engloba 15 municípios pernambucanos: como Araripina, Ouricuri, Bodocó, Exu, Parnamirim, Trindade, Serrita, Santa Cruz, Moreilândia, Dormentes, Cedro, Granito, Ipubi, Santa Filomena e Terra Nova. Estima-se que mais de 80 mil pessoas tiram o seu sustento direta ou indiretamente da indústria do gesso na região
Na reportagem, o economista e consultor Werson Kaval afirma que o polo “gera muito emprego e renda para a região”, mas os benefícios econômicos não têm compensado os danos ambientais que agora ameaçam o próprio setor.
A devastação da Caatinga
Do ponto de vista ambiental, há ainda o agravante da falta de fiscalização, que permite o desmatamento e transporte irregular da lenha. A reportagem do Fantástico acompanhou uma blitz da Polícia Rodoviária Federal em Araripina (PE), que em poucas horas apreendeu quatro caminhões.
Em 2023 a apreensão de lenha de origem não comprovada aumentou em 500%. O engenheiro florestal Ivan Ighour estudou a devastação na Caatinga no polo gesseiro utilizando imagens de satélite de uma década. “Nosso estudo mostra que, anualmente, são retirados o equivalente a 11 mil campos de futebol da região do Araripe - tanto de forma legal quanto ilegal”, afirma Ivan Ighour Silva Sá.
A Caatinga é um bioma exclusivo do Brasil e há pesquisas indicando que este é o bioma brasileiro com maior capacidade de remoção de CO2 da atmosfera, sendo um importante aliado no enfrentamento ao aquecimento global. Mas, segundo o MapBiomas, hoje restam pouco mais de 57% da vegetação nativa da Caatinga no Nordeste.
A devastação da Caatinga contribui com o processo de desertificação da região do semiárido brasileiro, deixando a terra mais seca e vulnerável à ação solar. Recentemente foi percebida uma primeira região árida no Brasil, como resultado deste processo.
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Há alternativas?
De acordo com o Panorama Atual do Arranjo Produtivo Local (APL) Gesseiro, desenvolvido pelo Instituto Nacional de Tecnologia em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, o setor deseja que a oferta de lenha permaneça constante ou até aumente nos próximos anos.
Isso seria possível com a implementação de novos planos de manejo da Caatinga e um maior aproveitamento da lenha extraída de grandes obras na região. A oferta de lenha de eucalipto também é citada, apesar dos danos ambientais causados pelo amplo plantio da espécie.
O documento também cita o uso de gás natural, que em Pernambuco tem produção qualificada com a estatal Copergás.
A alta incidência de luz do Sol na região também sugere que painéis de captação de energia solar garantiriam uma elevada eficiência e uma longa vida útil. Embora demande um investimento inicial relativamente alto, a geração de energia elétrica resultaria numa significativa redução nas contas de energia. O retorno sobre o investimento se daria entre 3 a 8 anos, enquanto a vida útil do sistema de placas solares pode chegar a 30 anos.
A energia solar se apresenta como uma boa alternativa para as empresas gesseiras, proporcionando economia, maior produtividade e sustentabilidade. Essa pode ser uma solução de curto prazo para reduzir o desmatamento na região do Araripe pernambucano, contribuindo para a preservação do bioma Caatinga e a manutenção do microclima
Edição: Vinícius Sobreira