O Partido Comunista Brasileiro (PCB) vive um momento de fragilidade após sofrer racha no fim de 2023. Depois de experimentar um crescimento acentuado nos últimos anos, especialmente entre a juventude, os atritos internos levaram a uma ruptura interna, com o partido perdendo quadros importantes nacional e localmente. Apesar de terem somado, em 2022, 41 mil votos no estado, o partido não terá candidatos a vereador desta vez e disputa apenas duas prefeituras.
Em Pernambuco, o Partidão formalizou uma única aliança junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O PCB integra a coligação de Dani Portela (Psol), no Recife, que conta ainda com a Rede Sustentabilidade. Em Jaboatão dos Guararapes, o partido apoia a candidatura de Elias Gomes (PT), numa coligação que tem ainda o Psol, a Rede, o PSB, o Solidariedade, o MDB e o Republicanos.
O Brasil de Fato Pernambuco conversou com Roberto Arrais, membro do Comitê Regional do PCB. “Até pensamos em lançar candidatura à Prefeitura do Recife, mas concluímos que neste momento não seria bom. Optamos por coligar com o PSOL e apoiar Jô para vereadora”, diz ele, citando UP e Psol como alianças prioritárias nacionalmente, além das candidaturas próprias em Fortaleza (CE) e Salvador (BA).
Em Olinda, o PCB não gostou da indicação do empresário bolsonarista Celso Muniz (PCdoB) para a vice e optou por não formalizar sua entrada na coligação de Vinicius Castello (PT), mas está indicando voto no petista. “Estamos participando ativamente da campanha de Elias. Mas em Olinda não estamos participando, só indicamos voto”, resumiu Arrais.
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Questionado sobre as prioridades do partido, que terá apenas duas candidaturas majoritárias, o dirigente comunista explicou que o foco principal é a capital pernambucana, “apesar de não termos candidaturas próprias”.
“Temos grupos de militantes em Olinda, Jaboatão e no Cabo, mas a nossa maior concentração é no Recife. Então, para o fortalecimento do trabalho do PCB, a prioridade é o Recife”, conclui Roberto Arrais.
Segundo o dirigente, o partido busca, em Pernambuco, “fortalecer setores da esquerda que ainda preservam alguma visão de organizar a classe trabalhadora”. “A eleição continua nacionalizada. Há uma extrema-direita forte, tentando se reerguer novamente, principalmente na região metropolitana”, alerta Arrais.
A estratégia é “fortalecer as candidaturas que polarizam o debate à esquerda”. Os comunistas não lançaram nenhuma candidatura às câmaras de vereadores. No Recife, optaram por apoiar Jô Cavalcanti (Psol), ex-deputada no mandato coletivo das Juntas, militante do MTST e do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio Informal. Em Olinda e Jaboatão as conversas ainda estão acontecendo e o partido ainda não definiu seus apoios.
Nas políticas públicas, o dirigente comunista cita como prioridades a existência de orçamento participativo, o fortalecimento de políticas de habitação e de assistência à população mais pobre.
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Mas, ainda que as candidaturas apoiadas pelo PCB obtenham sucesso nas urnas, Roberto Arrais pondera. “Eleição não resolve tudo. Temos mesmo é que nos organizar para fazer o trabalho de formiguinha nas escolas, nas associações de bairros e nos sindicatos”, aponta.
Candidaturas próprias
As duas únicas candidaturas do PCB no estado disputam as prefeituras do Cabo de Santo Agostinho, na região metropolitana; e de Ouricuri, no sertão do estado.
No Cabo, o comunista Cristiano Romão, de 36 anos, trabalha como feirante, vendendo frutas e legumes, e é militante junto a movimentos sociais na zona rural e também na luta por moradia na zona urbana do Cabo. Sua vice é a professora e feirante Fátima Almeida, candidata em 2020 a vereadora, que recebeu 67 votos (e mais 57 na legenda do PCB).
Romão concorre contra o atual prefeito Keko do Armazém (PP), apoiado pelo PT; contra o ex-prefeito Lula Cabral (Solidariedade), apoiado pelo PSB; contra o bolsonarista Delegado Resende (PDT); e Luciano da Oficina (PRD). Cristiano já foi candidato a prefeito do Cabo, em 2020, quando obteve 208 votos (0,18%). Em 2022 ele se candidatou a deputado estadual, recebendo 139 votos.
No Sertão pernambucano, José Miguel Neto, o Zé Miguel, agricultor de 57 anos, é o candidato do PCB a prefeito de Ouricuri. “Ele já foi militante do MST e do MTST, liderando uma ocupação urbana que durou 10 meses em Ouricuri, numa área do aeroporto abandonado”, recorda Roberto Arrais.
Na disputa, Zé Miguel enfrenta Raimundo de Bibi (MDB), candidato apoiado pelo prefeito; Victor Coelho (Republicanos), sobrinho do atual prefeito; e Pedro do Pipa, empresário do ramo da água.
Mas a candidatura de Zé Miguel ainda está pendente junto ao TSE e, caso chegue até o dia 6 de outubro, pode ter seus votos anulados caso a Justiça Eleitoral julgue sua candidatura como irregular. Se for vetado, esta será a quarta vez que Zé Miguel tenta se candidatar e não consegue obter o registro.
Antes do PCB ele tentou pelo Psol: em 2012 e 2016, para prefeito; e em 2014, tentou se registrar como candidato a governador, mas não atendeu aos requisitos documentais do TSE. Este ano, Zé Miguel escolheu para vice Reginaldo Bezerra, que foi barrado pelo TSE por ser inelegível. Sua segunda escolha foi Antônio Edilton, trabalhador do comércio local, este sim teve o nome aprovado na Justiça.
Na última eleição municipal, em 2020, o PCB indicou Aníbal Valença para compor como vice a chapa encabeçada por Thiago Santos (UP), candidatura que teve 1.232 votos (0,15%), ficando em 8º lugar na capital pernambucana. A única candidatura a vereador do PCB foi da advogada e escritora Maria José do Amaral, que recebeu 425 votos, além dos 154 votos que o PCB recebeu na legenda partidária, somando 580 votos no partido.
Os números são muito diferentes daqueles alcançados dois anos depois, em 2022, quando Jones Manoel encabeçou uma candidatura ao Governo do Estado e - sem partidos aliados e sem propaganda de rádio e TV - alcançou 33,9 mil votos (0,7%), ficando em 6º lugar.
Também chamaram atenção as votações de Luiza Melo (4,7 mil) para deputada estadual e Victoria Pinheiro (2,5 mil) para federal. Além disso, se candidataram Antônio Oxis, que recebeu 271 votos para deputado federal; e o já mencionado Cristiano Romão, com 139 votos para estadual.
Mas no racha vivido pelo PCB em 2023, deixaram os quadros do partido Jones Manoel, Luiza Melo e Victoria Pinheiro, entre outros militantes.
O racha
Nos últimos anos o PCB experimentou um crescimento, muito influenciado pela figura do militante Jones Manoel, proeminente nas redes sociais. Na pandemia, com os debates políticos fervendo nas plataformas online, o historiador e mestre em Serviço Social viu sua audiência crescer e estimulou a entrada de novos militantes na União da Juventude Comunista (UJC).
Sofia Manzano, candidata do PCB à Presidência da República em 2022, avalia que “esse crescimento, porém, não encontrou no partido instrumentos adequados para o debate, formação política e formação de cultura partidária”, diz ela em entrevista ao Opera Mundi. A partir disso, uma ala "rachou" com o partido e hoje se autodenomina PCBR (o “R” de revolucionário).
Manzano, que é integrante do Comitê Central do partido, resume a situação a uma “divergência que não foi debatida nas instâncias corretas”, somada a “figuras que se acham maiores que o partido, tentando fazer valer suas vontades, saíram difamando de forma negativa e desqualificada”.
“As redes sociais são um espaço de debate personificado e às vezes desqualificado. Não são espaços para fazer debates internos ao partido”, completa ela, citando os anos de clandestinidade impostos ao PCB e a importância de manter informações em segurança.
Também em entrevista ao Opera Mundi, Gabriel Landi, que integra o PCBR, conta que as tensões no interior do partido já existiam e, num congresso realizado em 2021, a ala que seria a “mais jovem” conquistou vitórias sobre o grupo que hegemoniza o Comitê Central do PCB.
Em 2023, a participação ou não do PCB num evento internacional fez estourar a crise, com denúncias públicas na internet, respondia com o afastamento de membros do Comitê Central. “Fizeram um expurgo. Em São Paulo expulsaram toda a UJC, cerca de mil pessoas, num processo atropelado e sem debate”, critica Landi.
O grupo afastado lançou um manifesto por uma “reconstrução revolucionária” do PCB, apontando para a construção de uma nova organização. “Não vimos alternativa se não abraçar a história do PCB e assumir a tarefa de reconstruir o partido”, diz Landi, afirmando que o partido “chegou a uma etapa que não consegue dar o próximo passo”.
Edição: Nathallia Fonseca