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Mais um adeus do Twitter

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“A derrocada teve seu momento de inflexão há 2 anos, quando a rede foi comprada por Elon Musk, que - numa demonstração de que nem todo rico é inteligente - mudou o nome para um “X” que nunca pegou” - Mauro Pimentel / AFP
A verdade é que eu me recusava a acreditar que aquilo ali não servia mais pra nada

Eu não lembro quando entrei pela primeira vez no Twitter. Há quinze anos? Vinte anos? Coisa assim. Recordo de ser uma rede massa e de dar muita risada com piadas em 140 caracteres. Tenho memória de alguns perfis que eu gostava de verdade de seguir, de alguns momentos em que a gente combinava de repetir hashtags, dizer alguma coisa pro mundo - e a gente tinha certeza que dizia mesmo.

Eram outros tempos, menos redes sociais, menos ódio, menos cancelamentos, menos muita coisa que hoje tem demais. Entre uma gaitada e outra, por vezes engajava em conversas interessantes. Outro dia troquei uma ideia com Miguel Nicolelis e fiquei bestinha. O cara era um dos maiores cientistas do mundo e engajou comigo num papo sobre futebol. E eu achando aquilo tudo muito incrível.

Durante muitos anos, a rede do passarinho era minha preferida para distribuir conteúdo. Se tinha texto novo meu em algum site, se tinha estreia de programa com minha assinatura, se tinha peça nova de alguma campanha de que eu participava, era lá que eu divulgava primeiro. E era lá que eu acompanhava avidamente os gráficos que mostravam a subida vertical dos acessos sempre que eu postava por lá.

Eram bons tempos em que o canal era a melhor ferramenta para se ter notícias em tempo real. Aconteceu alguma coisa? Pode ir que tá lá em texto curto, levando pra algum canto com mais detalhe. Eventos, jogos de futebol, seminários, dava pra acompanhar tudo em tempo real a partir das arrobas que a gente mais gostava ou mesmo metendo a hashtag e vendo a diversidade das visões sobre um mesmo fato.

Eleição no Twitter era massa e os debates na televisão eram muito mais interessantes quando a gente acompanhava (e participava) da resenha ao vivo que mobilizava as nossas timelines.

No Brasil, a plataforma está fora do ar desde que o dono da empresa responsável fechou os escritórios no Brasil, descumprindo a lei e obrigando a justiça a determinar a suspensão de sua atividade. Nada mais lógico. De lá pra cá, não existe mais Twitter brazuca. Quer dizer, se você usar alguma dessas ferramentas que aumentam a segurança a partir desses esquemas que a conexão sai do país, você ainda consegue ver alguma coisa. Mas o que esta lá não é nada mais que um fantasma do que um dia já foi.

Se as interações por lá já não eram mais as mesmas há algum tempo, a derrocada teve seu momento de inflexão há dois anos, quando a rede foi comprada pelo bilionário transfóbico e misógino Elon Musk. Numa demonstração didática de que nem toda pessoa rica é inteligente, ele começou mudando o nome da empresa para um “X” que nunca pegou, aposentando o passarinho e jogando no lixo o legado de um termo que entrou para o vocabulário em diversos idiomas mundo afora.

De uma hora para outra, perfis de ultradireita começaram a ser vistos por quem não os seguia. Em minha timeline, outrora ocupada basicamente por perfis de humor, de imprensa, de amizades e de pessoas diversas do campo progressista, começaram a aparecer postagens de gente ruim que eu não seguia. Já fazia muito tempo que não havia mais um debate que me motivasse e nem uma notícia relevante que eu tivesse visto pela primeira vez por lá.

Com mais de 20 mil seguidores, eu tinha (tenho?) um perfil modesto e relevante que eu insistentemente ainda usava para pequenos desabafos, ironias e “bom dias”. Vez ou outra um post “hitava”, como se diz. Normalmente não eram os meus preferidos e quase nunca eram com conteúdo realmente relevante.

Aqui e ali, usava a rede para negritar posicionamentos políticos em postagens que só eram mesmo vistas depois que eu printava e publicava na rede ao lado. Insistentemente, era lá que eu republicava alguns vídeos e outros conteúdos que considerava relevantes - quase sempre para quase ninguém ver.

A verdade, acredito, é que eu me recusava a acreditar que aquilo ali não servia mais pra nada.

Nos últimos dias, tenho pensado num podcast que ouvi mês passado. No episódio 114 da Rádio Escafandro (“Por que você continua nas redes?”), o jornalista Tomás Chiaverini debate um artigo do economista Leonardo Bursztyn sobre esta relação quase “estocolmica” entre nós e as grandes plataformas de mídia social. O debate se resume a duas grandes perguntas: “por quanto dinheiro você sairia de determinada plataforma?” e “quanto dinheiro você pagaria para que todo mundo saísse?”. O resultado é tão impressionante quanto previsível.

No caminho para a primeira semana sem andar por lá, posso dizer que a falta que eu sinto é praticamente nula. É bem verdade que às vezes, por costume, sem pensar, ainda clico no quadradinho do aplicativo em busca de novidades. Tirando alguns jornalistas que insistiam em usar o canal como fonte e pessoas que legitimamente utilizavam a rede com mais leniência sacanística para divulgar seus perfis de pornografia, não acho que mais ninguém está perdendo nada com a impossibilidade de postar por lá.

Pelo que se sabe (em outros ‘lugares’ da internet), o futuro é incerto. Na queda de braço entre um ricão egolombrado e o Estado Brasileiro, minha torcida é óbvia e não há indícios de que a justiça vá voltar atrás numa decisão que simplesmente cumpre a lei. Caso o bilionário mude de ideia e contrate pelo menos um estagiário pra tomar conta de uma caixa postal num coworking, o acesso volta pra geral. E uma pergunta vai ecoar: será que ainda vai valer a pena?

Edição: Vinícius Sobreira