Uma série de reportagens da Marco Zero Conteúdo tem revelado que a ampliação do número de vagas de creches no Recife, propagandeada pelo prefeito João Campos (PSB), envolveu decisões contestáveis da gestão municipal. No programa de parceria público-privada (PPP), que envolve 74 “creches parceiras”, ao menos 23 delas são ligadas a vereadores ou candidatos que integram a campanha do prefeito à reeleição. E algumas unidades têm recebido crianças sem sequer ter alvará dos Bombeiros para o funcionamento.
Em portarias assinadas em março (portaria 211) e abril (1373) deste ano, a Secretaria de Educação do Recife autorizou o funcionamento de “creches parceiras” sem que as instituições tenham o alvará do Corpo de Bombeiros, que atesta que o imóvel está adequado para receber em segurança aquelas pessoas. Segundo a reportagem, há duas creches - a Passo Infantil, nos Torrões; e a Chico Bento, no Ibura - que foram autorizadas a funcionar enquanto o imóvel ainda se encontrava em obras.
Em nota enviada à Marco Zero Conteúdo, a Secretaria de Educação diz que “45 dispõem de atestado”, mas admite que atualmente funcionam 29 “creches parceiras” (39% do total) cujos alvarás de funcionamento “estão com os processos em andamento, de forma a atender as normas do credenciamento de creches parceiras”. As duas creches que ganharam autorização para funcionar ainda em obras pertencem à Associação Pernambucana de Voluntários e Bombeiros Civis, instituição que já recebeu R$2,7 milhões dos cofres públicos municipais.
A reportagem de Jorge Cavalcanti e Inácio França também mostra que o programa “Infância na Creche” tem beneficiado diretamente candidaturas de partidos que integram a coligação de apoio à reeleição do prefeito João Campos (PSB). Os jornalistas destacam que 23 (31%) das 74 creches parceiras são ligadas a vereadores ou candidatos a vereadores da base do prefeito. A Prefeitura vai repassar, até o fim deste ano, R$26,5 milhões para essas instituições. Quase metade do valor já foi pago pelos cofres públicos.
No Morro da Conceição, zona norte do Recife, a “Creche-Escola Ternura” recebe diariamente centenas crianças no prédio onde funcionava, anos atrás, a casa de shows Acadêmico do Morro. No mês de maio surgiram denúncias de supostos casos de abuso sexual contra crianças de 2 e 3 anos de idade, crimes que teriam sido cometidos dentro da creche. A investigação segue aberta e é conduzida em sigilo pela Delegacia de Proteção à Criança e Adolescente (DPCA).
A nova creche é administrada pelo Instituto Ternura, que tem outras três creches no Passarinho, Brejo do Beberibe e Campina do Barreto. Para atender mais de mil crianças nos quatro equipamentos, instituto já recebeu R$2,5 milhões da gestão João Campos.
O gestor do Instituto Ternura é o ex-conselheiro tutelar Ozéias Paulo, hoje candidato a vereador pelo Republicanos. Até maio ele ocupava cargo comissionado na Prefeitura do Recife. Na sua página online, Ozéias usa abertamente das creches como plataforma de campanha.
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A poucos quilômetros de distância, na Linha do Tiro, fica uma creche gerida pela Associação Casa da Infância, cuja presidente é Nathália Galindo. Cargo comissionado na prefeitura até maio deste ano, Galindo é apoiadora do candidato a vereador Júnior de Cleto, que por sua vez é filiado ao mesmo PSB do prefeito.
Nathália criou o CNPJ da instituição pouco após deixar a prefeitura, mas já conseguiu garantir a parceria com o programa “Infância na Creche”. Galdino é próxima a Junior de Cleto há pelo menos oito anos, visto que ela foi uma doadora para a campanha de Cleto a vereador em 2016. Hoje o candidato é “padrinho” da creche na Linha do Tiro.
Já o Instituto de Consultoria, Cidadania e Assessoria Social (Iccaspe), que gerencia 9 creches, é coordenado por Nerivaldo Bezerra dos Santos. Desde agosto de 2023 Nerivaldo ocupa cargo comissionado na Secretaria de Meio Ambiente, gerida por Oscar Barreto (PT), irmão do vereador e candidato à reeleição Osmar Ricardo (PT). Nas suas redes, Nerivaldo está em campanha para Osmar Ricardo.
A Prefeitura do Recife, em nota enviada ao Marco Zero, afirma que “a legislação não prevê empecilhos para que membros dessas empresas parceiras possam concorrer a cargos eletivos”. A nota do Executivo municipal “nega veementemente qualquer uso político do processo de ampliação da rede de educação infantil”.
O texto enviado pela prefeitura afirma ainda que a seleção de entidades obedece à legislação federal e que o processo de matrículas estaria sob responsabilidade direta da prefeitura, “que garante transparência aos processos através de procedimentos que levam em consideração recortes sociais e econômicos”.
As reportagens da Marco Zero Conteúdo afirmam ainda que duas instituições sem fins lucrativos, que juntas administram cinco “creches parceiras”, pertencem a uma mulher condenada por estelionato nas justiças de Pernambuco e de Rondônia. As condenações foram em primeira instância e ela recorreu.
A acusação é de que ela vendeu - duas vezes - um mesmo imóvel no bairro de Boa Viagem, em 2015 e 2017, ambas pelo valor de R$250 mil. Mas em nenhuma das duas vezes ela era a proprietária do imóvel. As vítimas tiveram prejuízos somados de R$209 mil.
A sua filha também preside uma instituição que comanda duas creches do programa municipal. Juntas, mãe e filha já receberam R$5,7 milhões em repasses para ofertar as vagas para crianças. Elas ainda têm mais de R$8 milhões a receber.
Segundo apurou a Marco Zero Conteúdo, as redes sociais de ambas revela relação de proximidade com a prefeita de Camaragibe, Nadegi Queiroz (Republicanos), e sua filha, Flávia “de Nadegi”, candidata a vereadora do Recife pelo PV, também base de apoio do prefeito João Campos.
Assunto quase proibido
Na última quarta-feira (4) uma peça de propaganda do candidato opositor Gilson Machado (PL) foi suspensa pela Justiça Eleitoral, sob acusação de estar propagando informações falsas. A peça acusava a gestão de João Campos (PSB) de fazer uso político da ampliação das vagas em creches. A multa estabelecida pelo TRE foi de R$5 mil por cada inserção.
A Justiça avaliou que o candidato do PL apresentou apenas “notícias descontextualizadas de blog político como meio de prova, assim como recorte de página de portal de internet”, que somariam para uma “mensagem desabonadora da honra de candidato adversário, imputando-lhe condutas ilícitas, como suspeita de uso de dinheiro público para benefício eleitoral próprio”.
Em resumo, a Justiça considera que o bolsonarista teria passado dos limites ao acusar o prefeito de crime sem apresentar provas. “É conduta que desborda os limites da liberdade de expressão, uma vez que não há comprovação a balizar as expressões utilizadas”, conclui. A decisão também afirma que a coligação do prefeito João Campos “traz acervo robusto” de que as ações relativas às creches seguem a lei.
Mas Gilson Machado insistiu nas propagandas e, no dia seguinte, as multas já subiram de R$5 mil para R$20 mil por veiculação da propaganda. Neste domingo (8) a pena foi endurecida e todas as propagandas de Gilson, independente do conteúdo, foram suspensas por 24h, até a tarde desta segunda, sob pena de R$50 mil por hora de descumprimento.
A reportagem entrou em contato com o candidato do PL por e-mail, mas até o momento não tivemos resposta.
Com apenas 30 segundos de propaganda de TV, Dani Portela (PSOL) optado por falar do tema nas entrevistas que concede, aproveitando para criticar a lógica de PPPs. Outro adversário, Daniel Coelho (PSD), também colocou isso na sua propaganda, alegando que as mães precisam fazer “arrumadinhos” (acordos) com vereadores para conseguirem matricular seus filhos.
Edição: Vinícius Sobreira