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OPINIÃO

Gramsci e as Eleições de 2024 no Brasil

“Para Gramsci, as eleições são momentos cruciais na construção e manutenção da hegemonia cultural”

Brasil de Fato | Recife |
Este ano 5.568 municípios brasileiros elegem seus gestores para os próximos 4 anos - PT Olinda/Reprodução

Por Walisson Rodrigues*

No dia 6 de abril de 2024 completaram-se 100 anos da eleição do italiano Antonio Gramsci como deputado, mesmo ele estando na União Soviética e a Itália vivendo sob uma legislação eleitoral fascista.

Gramsci ajudou a fundar o Partido Comunista Italiano (PCI) em 21 de janeiro de 1921, na cidade de Livorno, Itália. Esse partido foi criado como uma seção da 3ª Internacional Comunista - a de Lenin e Trotski -, e nasceu de uma divisão dentro do Partido Socialista Italiano (PSI) durante seu 17º Congresso. No evento de fundação do PCI, a maioria era da fração chamada abstencionista, liderada por Amadeo Bordiga, mas Gramsci foi eleito para o Comitê Central do novo partido.

Gramsci tem muito a contribuir com a reflexão sobre as eleições de 2024 no Brasil. Nessas eleições, serão eleitos prefeitos e vereadores em 5.568 municípios em todo o país. O primeiro turno está marcado para o dia 6 de outubro e é fundamental analisar esse tema com a perspectiva dos trabalhadores e trabalhadoras, apontando o que queremos para nossa classe.

Refletir sobre o papel das eleições municipais na atualidade nos confronta com desafios pertinentes ao nosso tempo histórico. Em um momento de batalha ideológica, marcada por diferentes concepções e teorias em disputa e verdades dogmáticas, pensar nesse tema à luz dos conceitos de Gramsci torna-se não apenas relevante, mas fundamental.

Gramsci nos deixou uma compreensão importante da política como uma arena de luta pelo controle não apenas das instituições governamentais, mas também da sociedade civil. Para Gramsci, as eleições não são simplesmente eventos políticos isolados, mas momentos cruciais na construção e manutenção da hegemonia cultural.

Para a esquerda, as eleições são uma das muitas formas de organização política típicas da sociedade moderna. “O partido é a melhor forma de organização, e os sindicatos e os conselhos são formas intermediárias de organização, nas quais os membros mais conscientes do proletariado se posicionam na luta contra o capital” (L'Ordine Nuovo, 1921).

Nas eleições municipais, os candidatos não apenas competem por cargos políticos, mas também disputam o controle sobre os espaços de sociabilidade e influência cultural. Escolas, associações comunitárias, mídia local — esses são os territórios onde a batalha pela hegemonia se desenrola. E é nesse contexto que as ideias de Gramsci ganham nova relevância.

A estratégia gramsciana sugere que a conquista do poder político não se limita apenas a vencer eleições, mas também a ganhar o apoio das massas através da construção de uma hegemonia cultural. Isso implica em apresentar propostas políticas que ressoem com os valores e aspirações do povo, bem como em criar narrativas e símbolos que mobilizem e inspirem. Os partidos e candidatos que conseguem articular uma visão de mundo convincente e mobilizar apoio popular têm maiores chances de sucesso eleitoral.

Gramsci nos lembra da importância de uma visão de longo prazo na luta política. As eleições municipais não são eventos isolados, mas parte de uma batalha contínua pela conquista e manutenção do poder. Assim, os partidos e movimentos políticos devem investir na organização da sociedade civil, na formação de lideranças locais e na construção de redes de solidariedade e apoio mútuo ao longo do tempo.

No Brasil, onde as eleições municipais desempenham um papel crucial na configuração do poder político local e nacional, as ideias de Gramsci são particularmente relevantes. Partidos e candidatos que compreendem a importância da construção de uma hegemonia cultural e investem na mobilização popular têm maiores chances de sucesso eleitoral e, mais importante, de promover mudanças significativas na sociedade.

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Discutir as eleições municipais à luz das ideias de Gramsci é essencial, considerando a importância dos municípios como espaços de luta política e construção de hegemonia. Para Gramsci, o Estado não se limita apenas às instituições governamentais, mas também abarca a sociedade civil, incluindo organizações, escolas, igrejas e mídia. Para Gramsci, a hegemonia é construída nestas instituições, onde os valores e crenças da classe dominante são disseminados e naturalizados.

E o avanço do conservadorismo pode ser visto como uma expressão dessa hegemonia cultural. Os valores conservadores têm se consolidado em diversas esferas da sociedade, influenciando desde a política até a educação e os costumes sociais. Esse avanço é facilitado por uma série de fatores, incluindo a atuação de lideranças políticas conservadoras, a mobilização de movimentos sociais de direita e o uso eficaz das mídias tradicionais e digitais para difundir ideologias conservadoras.

Gramsci argumentava que a luta pela hegemonia se dá tanto no Estado quanto na sociedade civil. No Brasil, observamos que o conservadorismo tem se fortalecido em ambos os campos. No político, partidos conservadores têm obtido sucesso eleitoral e implementado políticas que refletem sua agenda. No campo da sociedade civil, instituições como igrejas evangélicas, grupos de mídia conservadores e organizações sociais de direita têm desempenhado um papel crucial na promoção de valores conservadores.

A construção de uma contra-hegemonia requer a capacidade de apresentar uma visão de mundo alternativa que ressoe com as aspirações das massas. Isso implica em criar narrativas e símbolos que mobilizem e inspirem, bem como em fortalecer a organização da sociedade civil. Movimentos sociais, sindicatos e partidos políticos de esquerda precisam trabalhar juntos para construir uma base sólida de apoio popular e desenvolver lideranças locais comprometidas com a transformação social.

*Wallison Rodrigues é cientista social, especialista em Energia e Sociedade no Capitalismo Contemporâneo.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Vinícius Sobreira