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O que salva o surdo é o próprio povo surdo

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Lei que tornou Libras como meio oficial de comunicação completou 22 anos em 2024 - José Cruz/Agência Brasil
As janelas de Libras estão nas campanhas, mas com promessas distantes de uma agenda emancipatória

Esta semana tivemos mais um 23 de setembro, Dia Internacional das Línguas de Sinais. Entretanto, seguem as concepções e perguntas esdrúxulas: “linguagem de sinais?”, “surdo-mudo?”, “mudo”, “mudinho”... São inúmeras as expressões e caracterizações que rotulam estigmas em torno da vida da comunidade surda.

Não obstante, durante as corridas eleitorais, através de um falseamento e esvaziamento da discussão sobre acessibilidade, observamos a presença de intérpretes nos programas eleitorais e falas a favor da inclusão, como se em um período de alguns meses, a Libras estivesse presente na concepção de mundo dos que gostariam de ser eleitos.

Entre candidatos de esquerda, direita e centro, existem falas e promessas que levam em consideração a vida da pessoa com deficiência a partir de uma abordagem de acesso(s) que se limita ao rótulo de colocar para dentro quem historicamente esteve fora, garantindo janela de Libras, luta pela inclusão social e reafirmando uma caminhada lado a lado.

No entanto, acredito ser extremamente problemático encarar a acessibilidade como uma luta individual de alguém - provavelmente sem deficiência - que de maneira heroica luta pelos direitos da comunidade.

Isso porque, ao invés de entender acessibilidade como uma via de mão única, devemos saber quais são as demandas da população surda, conhecer a sua língua, sua arte, sua cultura, seu povo.

Ao contrário da visão capacitista hierárquica que nos faz pensar que a comunidade surda precisa de nós, na verdade representamos muito mais a opressão a esse povo, quando reafirmamos através do assistencialismo a sobreposição de nossa cultura oral-auditiva sobre a deles.

Acessibilidade não é favor. Os direitos da população surda não são caridade. Enquanto as janelas de acessibilidade em Libras estão presentes nas campanhas com promessas distanciadas de uma agenda emancipatória, o povo surdo segue sem acesso nos setores da saúde, onde morrem diariamente pela mínima ausência da triagem.

As mulheres surdas continuam sem nenhuma possibilidade de denunciarem ou serem acolhidas em situações de violência (quando identificadas), as crianças surdas continuam tendo aquisição tardia da sua língua, tanto pelo isolamento, quanto pelas diversas descaracterizações que deslegitimam a Libras.

A luta pela acessibilidade, em primeiro lugar, parte de uma ótica de combate à ideia capacitista de inferiorização e de hierarquização das vidas. Como didaticamente postou em suas redes sociais Camila  Araújo Alves: “a verdadeira acessibilidade é aquela que subverte a norma, que assume pra si o desafio de revolucionar, de fraturar a própria estrutura opressora”.

E acrescento aqui, tendo como base o que foi citado: menos assistencialismo, mais emancipação; menos rostos individuais e mais movimentos coletivos de base; menos neoliberalismo como salvador e mais justiça social como fundamento; menos precarização da vida e mais ética.

O que salva o surdo é o seu próprio povo, sua língua, cultura e história. Isso os emancipa. Portanto, todos os avanços que tornam a Libras hoje uma língua minimamente em uso, certamente não foram atos heroicos individuais dos espaços institucionais. Eles vieram das ruas, da comunidade surda, que segue lutando pela sobrevivência da sua língua e integridade do seu povo.

Edição: Vinícius Sobreira