Pernambuco

ELEIÇÕES 2024

Campos, Coelho, Lyra, Urquiza, Ferreira, Tércio: cientista político alerta que lógica familiar coloca o Estado a serviço de interesses particulares; assista

Em entrevista, o cientista político Vanuccio Pimentel explica como famílias mantém o controle sobre órgãos de Estado

Brasil de Fato | Recife |
Coronelismo em Pernambuco. Registro do coronel Francisco Heráclito, do município de Limoeiro - Reprodução

A presença de clãs políticos em espaços de poder e cargos públicos não é uma exclusividade de Pernambuco ou da região Nordeste ou do Brasil. Apesar de o fenômeno de perpetuação de famílias na política ter características distintas em cada parte do mundo, ele é se expressa com maior ou menor recorrência de acordo com leis e mecanismos de cada país. Fato é que a presença destas famílias na política impactam a democracia brasileira e, por consequência, a vida da população.

No estado pernambucano, um exemplo em ascensão desta política passada como herança familiar é o prefeito do Recife e candidato à reeleição, João Campos (PSB). João é filho de Eduardo Campos, ex-governador de Pernambuco, falecido em 2014, durante campanha à presidência da República. João também é bisneto de Miguel Arraes, outro ex-governador do estado.

Em passos semelhantes, segue a atual governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB). Filha do ex-governador João Lyra Neto e sobrinha do ex-ministro Fernando Lyra, Raquel vem de uma família de empresários e políticos influentes em vários estados do Nordeste, cuja base em Pernambuco está em Caruaru, região Agreste do estado.

No Sertão pernambucano temos a família Coelho, que hoje tem um deputado federal e um estadual por Pernambuco. Até 2022 tinha também o prefeito de Petrolina. Os três são filhos do ex-ministro e ex-senador Fernando Bezerra Coelho, mas a história de domínio dos Coelhos no Sertão do São Francisco remonta há mais de 100 anos.

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João Campos coloca o PSB na base dos Coelhos, que retribuem com o União Brasil na base de Campos

Na eleição deste ano, estas e outras famílias competem nas urnas, testando sua força e influência. Para falar sobre o assunto, o Brasil de Fato Pernambuco entrevistou, para o programa Trilhas do Nordeste, o cientista político Vanuccio Pimentel. Professor e doutor em ciência política, seu trabalho e pesquisa tem ênfase em elites políticas, federalismo e políticas públicas e instituições políticas brasileiras. Assista abaixo.

O programa Trilhas do Nordeste pode ser assistido sempre nas segundas-feiras, às 19h45, nos canais da Rede TVT e do Brasil de Fato Pernambuco no Youtube.

Em outros países, o termo comum para se referir a estas famílias políticas é "dinastias", mas  Vanuccio Pimentel conta que a lógica de "clãs" corresponde mais às características brasileiras. "Clã está muito mais próximo ao modelo brasileiro, que não é apenas uma família nuclear com pai, mãe e filhos. Mas inclui primos e outras pessoas apadrinhadas, pessoas que têm laços de compadrio ou laços de casamento. Que ampliam o núcleo familiar".

Neste modelo, famílias exercem controle político em diversos municípios, segundo Vanuccio. "Nós temos alguns municípios em Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte, onde há basicamente uma pequena república de primos. Os primos se sucedem e vão espalhando-se para municípios ao redor, criando um bolsão de municípios controlados pela mesma família. Esse bolsão de municípios elege um deputado federal, elege um deputado estadual, e eles ampliam o peso político que têm no estado e no país, inclusive chegando a ocupar ministérios".

Quando questionado sobre medidas para restringir essa prática familiar na política, Vanuccio aponta algumas regulações recentes. "A reforma eleitoral de 2015, que proibiu o financiamento empresarial de campanhas, é uma decisão importante e uma conquista da sociedade. Porque ela equilibra um pouco mais a disputa. Outra medida importante foi o fim das coligações proporcionais, que já ocorreu e que a gente teve a primeira vez em 2020 e que reduz muito o número de partidos no Congresso. Também organiza os partidos nos estados, ou seja, os partidos precisam ter pessoas que representam a população e é preciso cada vez mais que os partidos busquem isso".

Eleições 2024

Na eleição do Recife, este ano, João Campos (PSB) não é o único que pertence a um clã político-familiar. Gilson Machado Neto (PL) é sobrinho e herdeiro político de Gilson Machado Filho, ex-deputado federal do campo conservador e líder empresarial das usinas de cana de açúcar. Gilson Filho foi próximo a presidentes durante a ditadura militar e, como deputado, votou contra o impeachment de Collor e contra a soberania popular.

Daniel Coelho (PSD) é herdeiro político do ex-deputado João Coelho (PDT). Ainda na capital, outra família que tenta se consolidar é a do casal conservador Collins, sendo ela deputada federal e ele estadual, tentam eleger o filho como vereador.

Em Jaboatão dos Guararapes, dois novos clãs do campo fundamentalista religioso se confrontam. A deputada federal Clarissa Tércio (PP), candidata a prefeita, tem o esposo como deputado estadual e tenta eleger vereadores da família no Recife e em Jaboatão. Clarissa é filha do pastor Francisco Tércio, da Assembleia de Deus Novas de Paz e da Rádio Novas de Paz.

Adversários dos Tércios, o clã dos Ferreira disputa os mesmos setores conservadores e religiosos. O atual prefeito de Jaboatão, candidato à reeleição, Mano Medeiros (PL) é o representante dos Ferreira. O clã tem um deputado federal e um vereador no Recife, mas até recentemente tinha também um deputado estadual e o próprio prefeito de Jaboatão, antecessor de Mano.

Em Olinda, Antônio Campos (PRTB) é irmão do ex-governador Eduardo Campos; e Izabel Urquiza (PL) é filha e herdeira política da ex-prefeita Jacilda Urquiza. Em Petrolina e Caruaru os prefeitos candidatos à reeleição não tem laços consanguíneos com as famílias que representam, mas foram levados ao poder, respectivamente, pelos clãs dos Coelho e dos Lyra.

Seus principais opositores, tanto em Caruaru como em Petrolina, são políticos que não são herdeiros, mas tentam fazer eleger parentes herdeiros, reproduzindo a lógica da política como negócio da família.

Edição: Vinícius Sobreira