O necessário resgate do PT no Recife
Por Pedro Alcântara*
Nos anos mais difíceis do petismo no Brasil, sempre ultrapassamos os 300 mil votos no Recife. Mas essa força foi ignorada por uma tática equivocada
As eleições municipais desse ano em Pernambuco marcaram a consolidação da polarização entre dois grandes blocos: um liderado pela governadora Raquel Lyra (PSDB) e outro liderado pelo prefeito de Recife, João Campos (PSB). Ambos conseguiram vitorias importantes e vivem o clima de uma antecipada batalha pelo Palácio do Campo das Princesas em 2026 - com vantagem para o PSB, que mesmo sem a máquina do estado conquistou muitas prefeituras e consagrou-se com votação histórica na capital.
No bojo dessa nova polarização, as eleições de 2024 resultaram, noutra ponta, num delicado cenário para um ator político fundamental do campo da esquerda em Pernambuco: o Partido dos Trabalhadores. Estas eleições impuseram, portanto, maior dificuldade para o campo popular vislumbrar alternativas de esquerda à referida polarização, dado que o PT é, inegavelmente, entre os partidos ligados à luta social, o de maior folego eleitoral.
Em 2024, apesar de o PT ter tido um crescimento moderado no número de prefeitos e vereadores no estado, um fato importante puxou a balança para baixo: o partido sofreu uma derrota política no Recife, núcleo duro de sua força em Pernambuco, e isso representou uma alarmante inflexão na sua posição em todo o estado, dado que não crescemos em outras regiões e perdemos força no nosso “reduto”, para usar uma expressão mais tradicional. Nem mesmo a boa campanha em Olinda é capaz de suplantar essa perda na capital.
No Recife, o Partido dos Trabalhadores possui uma relação histórica com os setores médios progressistas, com os movimentos sociais e com as classes populares, fortalecida pelos 12 anos de gestão que mudaram definitivamente a cara da cidade, seja na cultura, na urbanização, na educação, na assistência social, na saúde, na participação popular e especialmente na periferia. Essa trajetória ainda é reconhecida e valorizada.
Esse reconhecimento, além da força do lulismo, torna o PT um grande ator político no Recife. Nós fomos ao segundo turno na cidade mesmo nos anos mais difíceis do petismo no Brasil, em 2016 e 2020, ultrapassando, em ambos, os 300 mil votos. Basta dizer que há 1 ano, sem sequer declararmos qualquer intenção de disputar o poder na cidade e frente a um prefeito bem avaliado, o PT marcava 15% das intenções de voto, em pesquisa publicada em outubro de 2023. Em alguns cenários a candidatura hipotética do PT apresentada aos entrevistados chegava a 20%. É muita coisa.
Mas essa força foi ignorada por uma tática equivocada, promotora de uma corrida inexplicável em direção ao PSB, sem aprofundar o debate com a sociedade, sem permitir que o PT acumulasse politicamente ou pudesse dar demonstrações de peso eleitoral nas pesquisas. Pior, optou-se por expor o Partido a uma disputa pública pela vaga de vice da chapa, numa postura incompatível com o tamanho que o petismo tem na cidade. Rebaixado, o PT recebeu a negativa do prefeito e saiu de cena, apagando-se politicamente em 2024.
Esse caminho desastroso trouxe suas consequências: o PT não só não aumentou sua bancada na Câmara como a viu diminuir para pouquíssimas duas vagas, que serão ocupadas por dois excelentes quadros: Liana Cirne e a grande novidade da eleição, Kari Santos. Ambas foram eleitas, ressalte-se, apostando numa forte identificação com o petismo, o que se provou correto. Para além disso, o PT viu seu voto de legenda derreter para inacreditáveis 2.400 votos, quando o partido tem uma média histórica no Recife, de 1996 até aqui, de 18 mil votos (em média!).
Como pode um partido marcar 20% de intenções de voto em outubro de 2023 e terminar outubro de 2024 em posição tão ruim? Entre outros, um motivo é cristalino: a tática adotada e a forma como foi conduzida por uma minoria esvaziou a capacidade política do PT na cidade nessas eleições. Sem ter oferecido algum debate sobre a cidade, fora da chapa majoritária e com o prefeito/candidato do PSB sequer pronunciando o nome “Lula” em sua campanha, o PT só não foi completamente apagado por conta de nossos bravos candidatos à vereança.
Dito tudo isso, chegamos à ideia central desse diagnóstico: 2024 marca uma derrota política do PT no Recife só comparável à de 2012. A eleição de 2024 é o novo marco histórico crítico do partido no Recife. Se 2012 marcou uma crise interna que iniciou processo de dispersão de projetos no interior do PT, a eleição de 2024 marca a culminância desse trajeto e inaugura uma inflexão eleitoral descendente do partido na cidade, em proporção jamais vista, com importante repercussão política em todo o estado.
O inédito rebaixamento eleitoral na capital constitui um erro estratégico gravíssimo para o conjunto dos interesses do partido em Pernambuco, pois enfraquece o PT justamente na cidade que sustenta sua força eleitoral e política, nada menos que a capital do estado. É como se um exército descuidasse de proteger seu “QG”. Para completar, isso ocorre num cenário de ascensão de duas novas lideranças regionais: João Campos e Raquel Lyra, que ameaçam eclipsar tudo que passar pela frente.
A recuperação de nossa força no estado é bastante possível e passa, obrigatoriamente, antes de tudo, pelo resgate do PT no Recife. É urgente reverter o processo de esvaziamento político e reestabelecer as condições que deram ao partido, ao longo da história, a posição de referência política para todo o campo popular na região metropolitana. O momento é de reaproximar o PT de sua base social, que vem, ela mesma, mudando com os novos dilemas do mundo do trabalho, com as questões postas pelos movimentos de gênero e raça, pelas transformações que o capitalismo neoliberal impõe à dinâmica da vida, sobretudo nas grandes cidades.
Pernambuco segue tendo inúmeros problemas sociais que fazem nosso estado um dos mais desiguais do país. Recife continua sendo a segunda capital mais desigual do Brasil, continua com grave problema de moradia e regularização fundiária, graves problemas de saneamento na periferia, com sérios problemas de segurança alimentar, com trânsito e mobilidade caóticos, com sérias questões ambientais - como a do rio Tejipió -, passa por um enorme processo de mudança no perfil do mundo do trabalho, que, a seu modo, impacta sua juventude.
O que temos a dizer às novas gerações? O que temos a dizer a Pernambuco e à região metropolitana? Como reorganizar e resgatar a relação com nossa base social no Recife e no estado, sem prejuízo às discussões táticas oportunas em favor do nosso projeto nacional? Como vincular estratégia e movimento tático à necessidade premente de renovação e rearticulação do partido?
Se quiser reverter o saldo histórico deixado por 2024, essas são algumas das questões para as quais o PT e suas lideranças devem se voltar e encaminhar soluções agora, não questiúnculas de outra ordem, sobre o palanque A ou B na eleição X ou Y. O PT não nasceu com vocação de simples sigla que negocia alianças.
Mais do que nunca, no Recife e em Pernambuco, o partido precisa voltar a enxergar-se. Precisa dar-se conta de sua força e de sua história e voltar a apresentar um projeto de disputa da sociedade. O PT pode mais! Está posto o desafio. Vamos à luta!
*Pedro Alcântara é doutor em ciências sociais e membro da direção executiva do PT em Pernambuco.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
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Edição: Vinícius Sobreira