Negros e negras são maioria nas áreas que com as maiores jornadas de trabalho e os menores salários
O tema da vez é, sem dúvidas, a escala 6x1. Trabalhar seis dias por semana e folgar apenas um. Essa é a realidade de boa parte dos trabalhadores do nosso país, seja no trabalho formal ou no informal. Se você nunca trabalhou nessa escala, conhece alguém que trabalha nela e nunca pode ter momentos de lazer com os amigos e a família; tem dificuldade de marcar consultas médicas e fazer exames e tenta viver nas brechas entre o trabalho desgastante e o descanso insuficiente.
Não tem o que dizer. Essa escala é desumana. O movimento contra a escala 6x1 teve mais visibilidade ultimamente, mas a questão já vem sendo debatida há algum tempo pelo Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), que traz já no seu nome o que os trabalhadores querem: trabalhar pra viver, e não viver apenas para trabalhar.
A escala 6x1 afeta, sobretudo, a população negra. Trabalhadores formais negros são a maioria que trabalha nessa escala e os que têm os salários mais baixos. Os dados são Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), analisados pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper. Os negros e negras são maioria nas áreas que acumulam as maiores jornadas de trabalho e nas que recebem os menores salários.
É a essa parcela da população que historicamente foi negado o acesso ao estudo e trabalho digno. É essa população, que vive sob o fantasma da precarização do trabalho, que dificilmente acessará a Previdência, que ocupa os postos de trabalho mais extenuantes com a escala 6x1 e que está proibida de sonhar para continuar dando lucro. O povo brasileiro precisa do fim desse regime de trabalho para ter uma perspectiva de futuro, e isso é urgente.
Mesmo recente, o movimento já tem duas conquistas: elegeram vereador do Rio de Janeiro Rick Azevedo (Psol), uma das lideranças do movimento; e a adoção do tema pela deputada federal Erika Hilton (Psol), que propôs um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) sobre o tema.
É justamente por causa da PEC que a reivindicação virou notícia nos jornais. O projeto foi protocolado em maio, mas até a semana passada mal tinha conseguido metade da quantidade das assinaturas necessárias para tramitar na Câmara dos Deputados. Agora, com a ajuda das redes sociais, o tema ganhou fôlego e superou a quantidade de assinaturas necessárias para tramitar. Uma vitória!
Nosso país tem uma história de exploração tão cruel que tem gente achando que pedir dois dias de descanso é demais. Os que publicamente se posicionaram contra a PEC foram os deputados do PL, que trabalham em escala 4x3, e muito provavelmente nunca trabalharam na 6x1. É muito fácil ser contra a PEC trabalhando quatro dias por semana com salários faraônicos e até auxílio-paletó.
Não bastasse ser contra a PEC, a direita está, como sempre, espalhando mentiras. Dizem que a escala vai aumentar o desemprego e que os empresários irão “quebrar” com o fim da escala 6x1. Eles também inventaram que a redução da jornada de trabalho irá diminuir os salários, o que não é verdade.
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A PEC apresentada propõe a redução da carga de trabalho semanal para 36 horas e uma jornada de trabalho de quatro dias por semana. Evidentemente, a proposta deve passar por alterações, mas o essencial é a redução da jornada de trabalho sem redução do salário.
Esse discurso a favor da escala 6x1 é o mesmo da elite que foi contra o 13º, as férias remuneradas, a licença-maternidade, o auxílio-doença, o fim do trabalho infantil e as leis que protegem os trabalhadores, conquistadas com muita luta pelo povo desse país.
Nenhuma conquista dos trabalhadores e trabalhadoras do nosso Brasil caiu do céu, todas vieram com muita luta contra essa elite do atraso que, se pudesse, voltaria com a escravidão. Atos foram convocados pelo Movimento Vida Além do Trabalho na última sexta (dia 15) por todo o país e mostraram a potência dessa pauta.
Manter a mobilização nas ruas e nas redes pode ser o catalisador da pressão para que a PEC avance contra esse massacre cotidiano que é a escala 6x1. Por isso, a esquerda precisa encampar essa pauta e seguir na luta pra que os trabalhadores e trabalhadoras tenham direito a descanso, lazer e vida além do trabalho.
Edição: Vinícius Sobreira