Por que, em pleno século 21, não conseguimos conter a expansão das favelas?
O Brasil se tornou majoritariamente urbano na década de 1970. Atualmente, já passamos dos 80% da população vivendo nas cidades. O mundo alcançou essa marca em 2007, quando a população urbana global ultrapassou a rural. Projeções indicam que em 2050 seremos 66% da população mundial vivendo em áreas urbanas. Mas em quais condições? A depender do contexto, numa grande favela.
Somente em 2003 (!) os países desenvolvidos reconheceram essa realidade, por meio de um relatório publicado pela ONU Habitat, o braço das Nações Unidas responsável por assentamentos humanos. De acordo com Mike Davis, autor do livro Planeta Favela (2006), aquele foi o ponto culminante do reconhecimento científico da vida nas favelas.
Naquela época, o alerta foi claro: “a pobreza urbana se tornará o problema mais importante e politicamente explosivo do próximo século” (p. 32). Além dessa previsão e dos dilemas e perversidades do habitat, somam-se os problemas ligados às mudanças climáticas, que hoje são o principal foco de discussões globais.
Agora, em novembro de 2024, o IBGE divulgou dados preciosos do Censo 2022 (leia aqui), revelando, com números, quem de fato somos. Contra fatos, dados e evidências não cabem especulações, subjetividades ou paixões.
O que os dados do Censo 2022 evidenciam? Há no Brasil 12.348 favelas e comunidades urbanas, onde residem 16 milhões e 390,8 mil pessoas, o que equivale a 8,1% da população do país. Comparando com o Censo de 2010, quando havia 6.329 favelas e comunidades urbanas, com 11 milhões 425,6 mil habitantes (6% da população), o crescimento é evidente. Para você, isso significa que avançamos ou retrocedemos na qualidade da construção, expansão e gestão do espaço urbano?
No campo da distribuição espacial das favelas, entre as 20 maiores favelas e comunidades urbanas do Brasil, oito estão na Região Norte (sete delas em Manaus), sete no Sudeste, quatro no Nordeste e apenas uma (Sol Nascente) no Centro-Oeste. Notoriamente está ocorrendo (há tempos) uma explosão de favelas na região Norte, tanto em número quanto em dimensão. O que estaria acontecendo para gerar esse fenômeno?
Somente no Recife, 295 favelas são o lar de 361 mil 548 moradores, representando 24,28% da população local. A Região Metropolitana possui 728 favelas, que abrigam 1 milhão 16 mil 388 pessoas, ou 26,9% da população - terceira maior proporção de população em favelas no Brasil, atrás apenas das regiões metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Juntas, as três unidades federativas concentram 46,1% das 12.348 favelas do Brasil. Por que, em pleno século 21, não conseguimos conter a expansão das favelas?
Sabemos que as favelas, em geral, carecem de infraestrutura e equipamentos urbanos de qualidade, incluindo saneamento básico - que não é “premium” -, creches, escolas, praças, áreas de lazer. Enfim, a lista é longa.
O que eu quero trazer para nossa reflexão?
Primeiro, enquanto sociedade, continuamos a ignorar as favelas nas políticas públicas efetivas. Com muito esforço e boa vontade poderíamos citar o programa “Minha Casa Minha Vida”, que na verdade não tangencia a problema. A política é voltada para os “bancos”, para o “mercado” e não para os mais necessitados - imagine se não pagar uma parcela do financiamento infinito, o que acontecerá com a casa?
É urgente debater o futuro que queremos. Afinal, que cidades queremos construir no Brasil?
Segundo, destaco a ausência de áreas verdes e espaços de lazer, os chamados “vazios” nas favelas. A desproporção entre “cheios” (áreas construídas) e “vazios” cria as chamadas ilhas de calor, onde a temperatura é mais alta em comparação ao entorno. Essas ilhas de calor são resultado direto das ações humanas, como: concentração de construções; impermeabilização do solo, quintais e ruas; uso indiscriminado dos ares-condicionados; e ausência de áreas verdes.
Nas favelas, onde muitas famílias buscam sua dignidade no morar e constroem suas casas sem alternativas viáveis, o problema é intensificado. O calor elevado piora a saúde dos moradores, levando ao aprofundamento de doenças e a mortes. Este cenário não é exclusivo das nossas favelas, mas são nelas onde as consequências das ilhas de calor são maiores - e o Censo 2022 comprova o aumento das favelas.
O que podemos pensar sobre o futuro urbano? Que cidade teremos em 10 anos? Mais favelas? Mais desigualdades socioespaciais? Vamos continuar ignorando um problema secular da nossa sociedade? Qual é o nosso “planejamento” ou projeto de cidade que seja resiliente às mudanças climáticas?
Como garantir não somente habitação digna e acessível, mas sobretudo como articulá-la com equipamentos urbanos, praças, espaços educacionais e culturais de qualidade, mobilidade urbana eficiente em nossas favelas?
Em tempo, é importante ressaltar que o termo “favela” retornou ao vocabulário do IBGE no Censo 2022, após ter sido substituído por “aglomerados subnormais”. Seja favela ou não, desejo que possamos debater e implantar programas como “Nossa Cidade, Nossas Vidas”.
Edição: Vinícius Sobreira