Se destaca o quanto a luta anticapacitista tem sido apagada dos debates interseccionais
O dia 3 de dezembro foi o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. A data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1992, para conscientizar a sociedade dos desafios enfrentados por essa população, bem como apresentar conquistas acerca dos seus direitos.
Entretanto, apesar da importante data derivada dos tensionamentos dos movimentos sociais da população com deficiência - que chama atenção para as barreiras impostas -, se destaca o quanto a luta anticapacitista tem sido apagada dos debates interseccionais, deixando-a em segunda categoria ou ainda como caso de especialidades clínicas, reforçando a concepção biologizante da deficiência.
É insuficiente que as pessoas com deficiência sejam mencionadas em manifestos para aparentar uma falsa interseccionalidade, visto que quando tratamos de intersecções, como disse Collins e Bilge, não é sobre exatamente o que ela é, mas sobre o que ela faz, o que resulta e como podemos agir como coletivo em relação a isso.
Os Panteras Negras, por exemplo, não tinham uma política específica para pessoas com deficiência, mas com a participação ativa de Bradley Lomax na defesa deste tema, começaram a apoiar outras iniciativas, como a ocupação feita na sede do Departamento de Educação, Bem Estar e Saúde, em São Francisco, que marcou uma grande frente de luta e resistência na história das pessoas com deficiência. Lomax, junto ao movimento negro, forneceu refeições a todos os manifestantes para que não precisassem sair do local.
Acredito que este é um excelente exemplo do que Collins e Bilge sugeriram: que é necessário compreender a análise da interseccionalidade e agir sobre ela, pois estamos falando de uma luta por justiça e isso vai além do uso da imagem da pessoa com deficiência para concepções rasas sobre emancipação, ou com proposições apoiadoras à mercantilização da deficiência através da patologização.
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A convivência da escuta: histórias sobre cuidado, deficiência e interdependência
Se o estigma da patologização se baseia no fato de que o capacitado normal é aquele que não tem deficiência, o que explica aqueles corpos dissidentes - como as mulheres, o coletivo das pessoas LGBTQIA+, os vulnerabilizados etc - estarem também do lado oposto ao da normalidade compulsória e/ou da capacidade corporal compulsória?
Os mesmos corpos que foram encarcerados, os despojados da normalidade, não são esses os mais afetados? Os que carregam consigo o sentido proposital, pejorativo, simbolizado nas insurgências?
Como disse Robert McRuer, dizer sim à patologização dos corpos contracolinidade, nesse sentido, é o mesmo que admitir a clinicalização das vidas. É urgente a necessidade de deslocar o capacitismo que coloniza a nossa sociedade desde dentro e reinventar o corpo, a imagem, a linguagem e os sentidos na experiência de existir com deficiência.
Isso porque construímos uma teoria do estigma como fonte de metáfora e representação, de maneira característica, sem pensar no seu significado original e no resultado que ela produz. A subordinação é reforçada pela normalidade e enquanto existir a patologização dos corpos e vidas das pessoas com deficiência, tal concepção opressiva será reafirmada em torno das mortes diárias destes e tantos outros grupos não hegemônicos.
Portanto, não se trata de ser especialista para a construção de comunidades que, apesar das diferenças, lutam por um objetivo em comum - a justiça social. Trata-se de reaprender e expandir o coletivo fraturando uma sistemática que mercantiliza a vida, setoriza por especialidades, exclui, violenta e mata aqueles que possuem uma existência contranormativa.
Edição: Vinícius Sobreira