Com as galerias cheias de mulheres, que carregavam cartazes em protesto, a Câmara de Vereadores do Recife decidiu retirar de pauta o Projeto de Lei nº 299/2022, que institui o 8 de outubro como “Dia Municipal do Nascituro” no calendário oficial da cidade. A proposta, de autoria da vereadora Michele Collins (PP), foi aprovada em 1º turno nesta segunda-feira (9) e seria analisada em 2º turno nesta terça (10). Se aprovado, segue para sanção do prefeito João Campos.
Nesta terça, a mesa diretora da Câmara cedeu a presidência da sessão para o vereador Ivan Moraes (Psol). Durante a leitura da Ordem do Dia, utilizando os atributos da presidência da sessão, Moraes decidiu retirar a proposta dos itens analisados nesta terça. “O próximo item, relativo ao Projeto de Lei 299/2022, como não conta com a presença de sua autora - e haveria uma discussão - eu vou retirar da pauta”. Simples assim. A ação foi aplaudida pelas mulheres nas galerias da Câmara.
É provável que o PL 299/2022 seja analisado novamente na próxima semana. “Eles trazem esse conceito de que a vida existe desde a concepção e que, portanto, não pode ser interrompida. Então essa proposição está ligada diretamente à luta dos conservadores pela proibição total do aborto, acabando com a proteção legal das mulheres, adolescentes e crianças que foram vítimas de estupro. A gente não pode permitir esse retrocesso”, disse Cida Pedrosa (PCdoB) em contato com o Brasil de Fato Pernambuco.
Na votação desta segunda-feira (9), a criação do “Dia Municipal do Nascituro” foi aprovada por 18 votos favoráveis, contra apenas dois votos contrários e uma abstenção, além de 18 ausências. Nenhuma das sete vereadoras do Recife se pronunciou sobre o tema e houve voto do PT favorável ao projeto.
Vereadora evangélica defende direito ao aborto
Após a retirada de pauta, o vereador Felipe Alecrim (Novo), liderança de agrupamentos conservadores da Igreja Católica, subiu à tribuna da casa para defender a criminalização do aborto. “Não há diferença entre matar um bebê no ventre e matar uma criança de 2 ou 3 anos”, discursou.
A vereadora Ana Lúcia (Republicanos), liderança da Igreja Universal do Reino de Deus, fez um aparte e rebateu Alecrim. “É uma realidade no nosso país que as mulheres e meninas são estupradas dentro de suas próprias casas. E acho que a legislação tem que dar o direito a essa mulher. A lei vigente no Brasil precisa continuar”, disse ela. “Para nós, mulheres, assumir publicamente que foi estuprada já é um grande desafio”, continuou a vereadora, com crucifixo no peito.
Ana Lúcia citou ainda casos de conhecidas que foram violentadas sexualmente e decidiram manter a gestação, enquanto outras optaram pela interrupção da gravidez. Ela também mencionou que sua irmã realizou um aborto com uma gestação de quase nove meses, porque o feto era anencéfalo. No entanto, a evangélica disse que deve seguir sendo crime o aborto no caso de “uma mulher que tem vida sexual ativa, tem todos os meios de evitar essa criança, e depois que ela está esperando um bebê, ela quer tirar”.
“Dia do Nascituro”
Na justificativa para instituir o “Dia do Nascituro” no calendário oficial do Recife, Collins cita que o feto pode ser considerado um sujeito de direitos e reforça o aborto como ato criminoso - ignorando que o aborto é um direito constitucionalmente garantido às mulheres vítimas de estupro, cuja gravidez apresente risco à sua vida ou ainda as gestações cujo feto não formou cérebro.
Pautas do tipo têm surgido também na Câmara Federal, buscando a criminalização do aborto em quaisquer situações, revelando a intenção de setores da direita em retroceder nos direitos das mulheres decidirem sobre seus próprios corpos e suas próprias vidas.
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Edição: Vinícius Sobreira