Há uma semana, no dia 9 de dezembro, a Câmara de vereadores do Recife aprovou, em 1º turno, um projeto de lei que coloca no calendário oficial da cidade o “Dia Municipal do Nascituro”. Na ocasião, sem sequer a presença da autora Michele Collins (PP), a proposta foi aprovada com 18 votos contra dois, além de uma abstenção e 18 ausências, fazendo parecer que a votação em 2º turno eram favas contadas. Mas o jogo virou.
Uma semana depois, nesta segunda-feira (16), Michele Collins solicitou, ela mesma, que o projeto fosse retirado de pauta e optou por não colocá-lo para apreciação nesta legislatura. Legalmente, o projeto ainda pode voltar à pauta no futuro. Mas há um acordo entre os vereadores do Recife de não colocar em votação projetos de legislaturas anteriores. Sendo assim, é possível que a pauta esteja enterrada, pelo menos até um outro vereador propor algo similar.
Com as galerias da Câmara lotadas de mulheres, cantando palavras de ordem como “aborto legal é justiça social” e “criança não é mãe, estuprador não é pai”, a retirada de pauta foi bastante comemorada pelas presentes.
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A vereadora conservadora constatou que não possuía mais maioria simples para aprovar o seu projeto. Ao longo da manhã, Collins parecia inquieta na sessão, andando pelo plenário, conversando com a mesa diretora e retornando para falar com os vereadores eleitos Thiago Medina (PL) e Alef Collins (PP) - este último, filho de Michele, deve assumir a pauta a partir de 2025.
Quando o PL 299/2022 foi anunciado para votação, a autora Michele Collins pediu para discursar. “Esse projeto é bem simples, só tem quatro artigos. (...) Não é obrigatório que a Prefeitura promova a comemoração deste dia. Somente se houver disponibilidade financeira, orçamentária e administrativa”, disse ela. “Eu nunca vi, em 12 anos aqui nesta casa, alguém ir contra o ‘dia de alguma coisa’. Eu não estou entendendo por que existe, nesta casa, um movimento contrário”, reclamou.
Collins também compartilhou que, minutos antes, fora abordada pelo vereador Rinaldo Junior (PSB). “Ele chegou aqui e olhou na minha cara e disse que veio aqui para derrubar o meu projeto. Ele veio aqui para articular politicamente, usando o nome do prefeito João Campos. (...) Ele disse que o projeto era difícil para o prefeito. Eu entendo que isso não foi um comando de João Campos, porque ele é a favor da vida”, discursou.
Durante o discurso, as mulheres nas galerias se levantaram e ficaram de costas, o que irritou a vereadora. “Se as mães de vocês tivesse abortado, nenhuma de vocês estaria aqui. A esquerda que está nesta casa, junto com partidos como o PT, PCdoB, Psol, querem matar as crianças no ventre da mãe”, bradou.
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Ela pressionou seus colegas para votarem a favor do seu projeto, constrangeu alguns que já haviam votado favoravelmente no 1º turno e lembrou que estava se despedindo do mandato - o que foi comemorado nas galerias. “Mas para a glória de Deus, o Alef Collins já está sentado ali, a cadeira está garantida”, rebateu a vereadora. Nada adiantou. No fim do seu discurso, Michele Collins pediu ao presidente da sessão que retirasse o projeto da pauta.
O projeto ainda poderia ser apreciado nesta terça-feira (17), durante a última sessão plenária da Câmara do Recife em 2024. Mas, sem os votos necessários, Collins abriu mão de colocá-lo em votação.
Articulação
Desde a segunda-feira (9), movimentos e grupos feministas iniciaram articulações com os partidos e com a gestão municipal, visando barrar o projeto. A Secretaria de Mulheres do PT conseguiu o compromisso dos três vereadores do partido - Liana Cirne, Osmar Ricardo e Jairo Britto - para votarem contra o projeto. Na primeira votação, nenhum deles votou contra.
Também foram envolvidos o presidente da Câmara de Vereadores, Romerinho Jatobá (PSB); os líderes da bancada do PSB, que possui 15 dos 39 parlamentares da casa; a Secretaria de Mulheres da gestão municipal; além da própria influência da gestão João Campos (PSB) sobre outros vereadores da base governista. Até a evangélica Ana Lúcia (Republicanos), liderança da Igreja Universal, fez discurso contrário ao projeto.
Na terça-feira (10), dia seguinte à aprovação em 1º turno, os primeiros sinais de que o caldo estava entornando. Com repercussão negativa nas redes sociais, a mesa diretora da Câmara cedeu a presidência da sessão para o vereador Ivan Moraes (Psol), um dos dois únicos que votou contrariamente ao projeto no dia anterior. Durante a leitura da Ordem do Dia, utilizando os atributos da presidência da sessão, Moraes decidiu retirar o PL 299/2022 da ordem do dia, ficando a apreciação para esta segunda (16).
O “Dia do Nascituro”
O Projeto de Lei nº 299/2022 visa instituir no calendário oficial do Recife o dia 8 de outubro como “Dia Municipal do Nascituro”. Se aprovado em 2º turno, seguirá para sanção do prefeito João Campos, tornando-se lei. O texto sugere que a prefeitura, através da Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, invista recursos públicos em atividades alusivas à data. “Nascituro” é como o campo conservador passou a chamar os fetos e embriões.
Alguns políticos têm defendido que fetos e embriões sejam reconhecidos como “sujeitos de direitos”. Isso serviria de base para a argumentação de que todo e qualquer aborto deve ser criminalizado, retirando das mulheres o direito ao aborto legal e seguro nos casos hoje cobertos pela lei: gestações decorrentes de um estupro; gestações com risco de morte para a mulher; e gestações em que o feto não formou cérebro (anencéfalo) e, portanto, não conseguirá sobreviver fora do corpo da mulher.
Pautas do tipo têm surgido também na Câmara Federal, buscando a criminalização do aborto em quaisquer situações, revelando a intenção de setores da direita em retroceder nos direitos das mulheres decidirem sobre seus próprios corpos e suas próprias vidas.
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Edição: Vinícius Sobreira