Pernambuco

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Após articulação de feministas, Michele Collins joga a toalha e desiste de homenagem a fetos e embriões

Aprovado com facilidade em 1º turno, o projeto repercutiu mal e em uma semana já não reunia mais condições de aprovação

Recife (PE) |
A vereadora Missionária Michele Collins (PP) cumpriu o seu 3º mandato no Recife e não tentou a reeleição, mas conseguiu eleger o seu filho Alef Collins (PP) - Carlos Lima/Câmara do Recife

Há uma semana, no dia 9 de dezembro, a Câmara de vereadores do Recife aprovou, em 1º turno, um projeto de lei que coloca no calendário oficial da cidade o “Dia Municipal do Nascituro”. Na ocasião, sem sequer a presença da autora Michele Collins (PP), a proposta foi aprovada com 18 votos contra dois, além de uma abstenção e 18 ausências, fazendo parecer que a votação em 2º turno eram favas contadas. Mas o jogo virou.

Uma semana depois, nesta segunda-feira (16), Michele Collins solicitou, ela mesma, que o projeto fosse retirado de pauta e optou por não colocá-lo para apreciação nesta legislatura. Legalmente, o projeto ainda pode voltar à pauta no futuro. Mas há um acordo entre os vereadores do Recife de não colocar em votação projetos de legislaturas anteriores. Sendo assim, é possível que a pauta esteja enterrada, pelo menos até um outro vereador propor algo similar.

Com as galerias da Câmara lotadas de mulheres, cantando palavras de ordem como “aborto legal é justiça social” e “criança não é mãe, estuprador não é pai”, a retirada de pauta foi bastante comemorada pelas presentes.

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A vereadora conservadora constatou que não possuía mais maioria simples para aprovar o seu projeto. Ao longo da manhã, Collins parecia inquieta na sessão, andando pelo plenário, conversando com a mesa diretora e retornando para falar com os vereadores eleitos Thiago Medina (PL) e Alef Collins (PP) - este último, filho de Michele, deve assumir a pauta a partir de 2025.

Quando o PL 299/2022 foi anunciado para votação, a autora Michele Collins pediu para discursar. “Esse projeto é bem simples, só tem quatro artigos. (...) Não é obrigatório que a Prefeitura promova a comemoração deste dia. Somente se houver disponibilidade financeira, orçamentária e administrativa”, disse ela. “Eu nunca vi, em 12 anos aqui nesta casa, alguém ir contra o ‘dia de alguma coisa’. Eu não estou entendendo por que existe, nesta casa, um movimento contrário”, reclamou.


Mulheres ocuparam as galerias da Câmara do Recife contra o projeto que institui o Dia do Nascituro / Assessoria do vereador Ivan Moraes Filho


As galerias da Câmara do Recife foram lotadas por mulheres nesta segunda-feira (16) / Assessoria do vereador Ivan Moraes Filho

Collins também compartilhou que, minutos antes, fora abordada pelo vereador Rinaldo Junior (PSB). “Ele chegou aqui e olhou na minha cara e disse que veio aqui para derrubar o meu projeto. Ele veio aqui para articular politicamente, usando o nome do prefeito João Campos. (...) Ele disse que o projeto era difícil para o prefeito. Eu entendo que isso não foi um comando de João Campos, porque ele é a favor da vida”, discursou.

Durante o discurso, as mulheres nas galerias se levantaram e ficaram de costas, o que irritou a vereadora. “Se as mães de vocês tivesse abortado, nenhuma de vocês estaria aqui. A esquerda que está nesta casa, junto com partidos como o PT, PCdoB, Psol, querem matar as crianças no ventre da mãe”, bradou.

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Ela pressionou seus colegas para votarem a favor do seu projeto, constrangeu alguns que já haviam votado favoravelmente no 1º turno e lembrou que estava se despedindo do mandato - o que foi comemorado nas galerias. “Mas para a glória de Deus, o Alef Collins já está sentado ali, a cadeira está garantida”, rebateu a vereadora. Nada adiantou. No fim do seu discurso, Michele Collins pediu ao presidente da sessão que retirasse o projeto da pauta.

O projeto ainda poderia ser apreciado nesta terça-feira (17), durante a última sessão plenária da Câmara do Recife em 2024. Mas, sem os votos necessários, Collins abriu mão de colocá-lo em votação.

Articulação

Desde a segunda-feira (9), movimentos e grupos feministas iniciaram articulações com os partidos e com a gestão municipal, visando barrar o projeto. A Secretaria de Mulheres do PT conseguiu o compromisso dos três vereadores do partido - Liana Cirne, Osmar Ricardo e Jairo Britto - para votarem contra o projeto. Na primeira votação, nenhum deles votou contra.

Também foram envolvidos o presidente da Câmara de Vereadores, Romerinho Jatobá (PSB); os líderes da bancada do PSB, que possui 15 dos 39 parlamentares da casa; a Secretaria de Mulheres da gestão municipal; além da própria influência da gestão João Campos (PSB) sobre outros vereadores da base governista. Até a evangélica Ana Lúcia (Republicanos), liderança da Igreja Universal, fez discurso contrário ao projeto.

Na terça-feira (10), dia seguinte à aprovação em 1º turno, os primeiros sinais de que o caldo estava entornando. Com repercussão negativa nas redes sociais, a mesa diretora da Câmara cedeu a presidência da sessão para o vereador Ivan Moraes (Psol), um dos dois únicos que votou contrariamente ao projeto no dia anterior. Durante a leitura da Ordem do Dia, utilizando os atributos da presidência da sessão, Moraes decidiu retirar o PL 299/2022 da ordem do dia, ficando a apreciação para esta segunda (16).


As mulheres levaram cartazes e faixas em defesa do direito ao aborto legal e seguro / Assessoria do vereador Ivan Moraes Filho


Mobilização de mulheres derrotou, ao menos temporariamente, o projeto da vereadora Michele Collins (PP) / Assessoria do vereador Ivan Moraes Filho

O “Dia do Nascituro”

O Projeto de Lei nº 299/2022 visa instituir no calendário oficial do Recife o dia 8 de outubro como “Dia Municipal do Nascituro”. Se aprovado em 2º turno, seguirá para sanção do prefeito João Campos, tornando-se lei. O texto sugere que a prefeitura, através da Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, invista recursos públicos em atividades alusivas à data. “Nascituro” é como o campo conservador passou a chamar os fetos e embriões.

Alguns políticos têm defendido que fetos e embriões sejam reconhecidos como “sujeitos de direitos”. Isso serviria de base para a argumentação de que todo e qualquer aborto deve ser criminalizado, retirando das mulheres o direito ao aborto legal e seguro nos casos hoje cobertos pela lei: gestações decorrentes de um estupro; gestações com risco de morte para a mulher; e gestações em que o feto não formou cérebro (anencéfalo) e, portanto, não conseguirá sobreviver fora do corpo da mulher.

Pautas do tipo têm surgido também na Câmara Federal, buscando a criminalização do aborto em quaisquer situações, revelando a intenção de setores da direita em retroceder nos direitos das mulheres decidirem sobre seus próprios corpos e suas próprias vidas.

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