Enquanto a resposta para esses desafios for a repressão, continuaremos a perder nossos jovens
No início de 2023, em São Lourenço da Mata, um adolescente de 14 anos morreu ao surfar no teto de um ônibus. Meses depois, em maio, a tragédia se repetiu com um jovem de 17 anos, na Avenida Agamenon Magalhães, no Recife. Diante desses acontecimentos, surge a pergunta incômoda: como acabar com o surfe nos ônibus, também conhecido como “morcegamento”?
Em novembro de 2024, a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) aprovou o Projeto de Lei 1366/2023, que propunha a proibição da prática de surfe em veículos de transporte público no estado de Pernambuco. O texto previa sanções para motoristas que não impedissem a prática. Rolou até manifestação nas ruas contra a aprovação. O protesto surtiu efeito e, semanas depois, a governadora Raquel Lyra vetou integralmente o projeto.
Diante disso, cabe a nós, leitores e cidadãos, refletir: de quem é o problema? Dos jovens? Das empresas de ônibus? Da polícia? Do governo? Ou de todos nós? Como enfrentar uma questão tão complexa e multifacetada?
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Durante uma palestra sobre mobilidade urbana que assisti este ano, o representante da Grande Recife Consórcio de Transporte (GRCT) — empresa que gere boa parte dos ônibus da Região Metropolitana do Recife (RMR) — relatou uma experiência curiosa. A empresa decidiu perguntar diretamente aos jovens que surfam nos ônibus: “por que vocês fazem isso e colocam suas vidas em risco?”. A resposta foi objetiva: “busca de adrenalina”.
Para problematizar aqui esse fenômeno, compartilho duas histórias que ilustram a relação interessante dos jovens com a cidade.
Num sábado ensolarado, no Recife, eu participava de uma visita de campo com um grupo de pesquisadores. Estávamos exaustos na última parada, para observar o Rio Beberibe no cruzamento com a Avenida Agamenon Magalhães.
A maré estava subindo e, para a nossa surpresa, vimos um grupo de adolescentes pulando da ponte para o rio em intensa diversão. Eles mergulhavam e, em seguida, agarravam-se a uma corda para não serem levados pela força das águas. Depois, subiam às margens e repetiam o processo. Apesar da poluição visível do rio, aqueles jovens pareciam plenos de alegria e coragem. O calor intenso do dia explicava, em parte, o desejo de se refrescar. Observá-los era como assistir a um ritual de plena liberdade e pertencimento ao lugar.
Corta. Sigamos para uma segunda história, oriunda de uma conversa com um motorista de Uber. Durante o trajeto, ele comentou que seu filho adolescente não gostava da escola em tempo integral. Certa vez, o garoto pulou o muro da escola e foi para casa. Surpresa, perguntei ao pai se ele havia perguntado ao filho por que havia fugido e ido para casa. “Claro”, respondeu o motorista. E a resposta do jovem? “Não tem nenhuma atividade na escola à tarde. Prefiro ficar em casa”.
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Voltemos à palestra sobre mobilidade urbana, associando-a a essas outras duas histórias. Quando a GRCT perguntou aos jovens por que surfam nos ônibus, a resposta — “busca de adrenalina” — evidencia que o problema não é nem de mobilidade e nem segurança pública. É uma questão social.
Enquanto a resposta para esses desafios continuar a ser a repressão, continuaremos a perder nossos jovens nessa “guerra urbana” - que, aliás, se soma aos jovens que encontram adrenalina nas altas velocidades de suas motos.
Assim, a tentativa de resolver o tema por meio de um projeto de lei revela uma desconexão com a realidade dos jovens e com suas demandas por espaços de lazer, esporte, cultura e educação de qualidade em seus próprios territórios.
Os jovens que se aventuram pela cidade nos ensinam lições valiosas. O fracasso do Projeto de Lei nº 1366/2023 não deve ser visto apenas como a derrota de uma proposta legislativa, mas como um sinal de que há uma onda gigante de desconexão entre a cidade e sua juventude.
Que 2025 seja um ano de mudanças reais. Ótimo ano novo para todos. E Vida longa a todos jovens que vivem intensamente essa cidade chamada Recife!
Edição: Vinícius Sobreira