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RELIGIOSIDADE

‘O Jesus que não se interessa pelas dores do mundo é um Jesus que serve ao capitalismo’, diz líder evangélico; assista

A própria figura de Jesus e sua trajetória são interpretadas de acordo com contextos políticos, sociais e econômicos

Recife (PE) |
Em busca do eleitorado evangélico, candidatos apelam e até distorcem valores e ensinamentos da fé cristã
Em busca do eleitorado evangélico, candidatos apelam e até distorcem valores e ensinamentos da fé cristã - Pedro Ventura/Agência Brasília

Entre os séculos 3 e 4, para afastar a população de algumas festividades pagãs, a Igreja Católica convencionou que o 25 de dezembro, data já relacionada à celebração romana do deus Sol, também seria celebrado o nascimento de Jesus Cristo. Ao longo dos séculos, a ideia se estabeleceu e, hoje, o personagem central já é ofuscado por outras figuras e hábitos relacionados ao consumo e às compras - uma adaptação da festividade religiosa ao sistema econômico e cultural vigente.

Assim como a data, a própria figura de Jesus e sua trajetória são atravessadas por contextos políticos, sociais e econômicos que muitas vezes orientaram as representações da figura de Cristo. Mas, afinal, quem foi Jesus e quais os seus ensinamentos e práticas que servem para as políticas e lutas sociais da atualidade?

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Para tratar do tema, o programa televisivo Trilhas do Nordeste, do Brasil de Fato Pernambuco, entrevistou Jackson Augusto, membro da coordenação nacional do Movimento Negro Evangélico (MNE) e comunicador na página “Afrocrente” - que une religiosidade, negritude e luta por justiça social. As representações de Jesus na atualidade, opina Jackson, apresentam um homem muito diferente do “Jesus que viveu na Terra, o Jesus de Nazaré”.

O líder evangélico considera que a visão teológica que distancia Jesus da temática das desigualdades sociais contribuem com a manutenção das injustiças do sistema capitalista. “Esse Jesus que não se interessa pelas dores do mundo e só se interessa pela realidade pós-morte; o Jesus que não se interessa pelo agora, pela Terra, é um Jesus que serve para o capitalismo. É um Jesus que serve a um sistema que é injusto aqui e agora”, diz Jackson Augusto.

“Essa teologia recebe investimento e incentivo - inclusive de editoras de livros - e estão presentes nos grandes centros teológicos. Já a teologia que dá preferência aos pobres, que fala de um Jesus que veio sem poder para este mundo, um Jesus sem vez e nem voz, essa visão não tem espaço nos grandes centros de poder religioso”, avalia Augusto.

Assista à entrevista completa.

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A esquerda e os evangélicos

A concepção predominante, no Brasil, sobre quem foi Jesus e o que ele representa também é algo que tem sido afetado pelo contexto de polarização política em que o país se encontra. Na disputa política brasileira, Jesus tem sido usado tanto como “cabo eleitoral” como para detratar parte da sociedade. Na mira dos que defendem uma religiosidade armada contra supostos inimigos, a esquerda se vê ante o desafio de dialogar com as populações ligadas aos segmentos protestantes do cristianismo.

Sobre a ligação de lideranças religiosas fundamentalistas e políticos da extrema-direita, Jackson Augusto é taxativo: “não tem como impedir esses líderes de se aproximarem de quem eles acham que é interessante se aproximarem”. Mas ele aponta que, para a esquerda, é preciso não olhar os mais de 30% da população como uma massa unitária e manobrada pela direita.

“Somos mais de 60 milhões de pessoas evangélicas no Brasil. É muita gente que pode pensar e tramar muita coisa, com várias visões de mundo diferentes. Muitas vezes a gente olha apenas como uma massa de manobra e não como seres pensantes, que fazem conexões lógicas entre a política e o seu cotidiano”, avisa.

O Trilhas do Nordeste é o programa de entrevistas do Brasil de Fato Pernambuco e vai ao ar sempre às segundas, às 19h45, na TVT São Paulo (canal 44.1) ou nos canais no Youtube do Brasil de Fato e da TVT.

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Edição: Vinícius Sobreira