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De quem falamos no Janeiro Branco?

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O racismo estrutural e institucional afeta diretamente a autoestima e o bem-estar emocional das pessoas racializadas, em especial das mulheres negras - Foto: Artur Moês - Coordcom/UFRJ
Cuidar da saúde mental das mulheres negras precisa ser um compromisso de toda a sociedade

Em janeiro temos uma campanha nacional conhecida como “Janeiro Branco”, para que as pessoas possam refletir sobre saúde mental, processos, realizações, desejos, sonhos, que é o que a maioria das pessoas fazem quando iniciam um novo ano. Colocar sua vida em perspectiva sobre o que precisa mudar: perder peso, buscar um novo emprego, relacionamentos, mudança de carreira… entendemos isso como algo absolutamente normal e natural.

O que a maioria das pessoas não pensa é que temos uma parcela gigante da nossa população que não consegue nem pesar no dia de amanhã, o que vai ter pra comer, como vai ser o dia vendendo água e pipoca no sinal, que vai enfrentar a péssima mobilidade urbana da cidade e passar muitas vezes mais de duas horas em um transporte público para trabalhar, muitas vezes em condições insalubres.

Quando falamos em saúde mental, assim como tantas outras vivências e violações de direitos básicos, falamos de uma população que é invisibilizada, ignorada e sofre um genocídio cotidiano desde sempre. E quando observamos bem, esta população tem cor, tem endereço e tem gênero.

O mito da “democracia racial” norteia nossa sociedade, com muitos de nós abrindo a boca para dizer que racismo não existe ou que é frescura, ou que as pessoas se doem demais sem necessidade. É importante reconhecer que somos um país racista e que o racismo estrutural conduz nossa sociedade e dita quais corpos podem morrer, sofrer, ser explorado e adoecido.

O racismo estrutural e institucional afeta diretamente a autoestima e o bem-estar emocional das pessoas racializadas, em especial das mulheres negras, que estão na base da nossa sociedade. São nossos corpos e mentes que são levados à exaustão enquanto somos vendidas como “guerreiras”. Nós não somos guerreiras. Somos sobrecarregadas e solapadas pelo racismo estrutural e suas diversas formas, pelo machismo e sexismo - e isso custa muito caro. Custa as nossas vidas, nosso direito de existir e de estar no mundo com plenitude.

Gostaria de estar aqui escrevendo apenas sobre como a saúde mental é importante, de como precisamos encontrar cada vez mais estratégias de bem estar, de bem viver. Contudo, a saúde mental das mulheres negras no Brasil é um assunto crucial, impactado por diversas questões sociais, raciais e econômicas. A interseccionalidade entre racismo, machismo e desigualdade social aumenta significativamente a possibilidade de transtornos como ansiedade, depressão e síndrome de burnout.

Existe uma cobrança histórica sobre as mulheres negras para sermos “fortes” e resilientes diante das dificuldades. Se lembrarmos bem, até 1985 as mulheres negras recebiam menos anestesia na hora do parto, por se acreditar que elas aguentavam mais dor. Nossos corpos são historicamente violados, explorados. Essa expectativa pode levar à exaustão emocional, pois muitas vezes nós não nos permitimos demonstrar fragilidade ou buscar ajuda psicológica.

E quando esta ajuda é procurada, encontramos um sistema de saúde que não consegue absorver todas as demandas, com uma visão medicamentosa do cuidado com a saúde mental. Dito isto, ainda precisamos considerar que no SUS, as “melhores medicações”, não são ofertadas de maneira gratuita, o que torna na maioria das vezes impossível para estas mulheres gastarem R$200 ou mais em medicação, sem contar com acompanhamento terapêutico.

Por isso, neste mês em que mundialmente se discute a saúde mental, é importante pensarmos nas condições de saúde mental em que as mulheres negras estão inseridas e o quanto é necessário ampliar o acesso à atenção à saúde mental para estas mulheres negras, pobres e periféricas.

Cuidar da saúde mental das mulheres negras no Brasil precisa ser um compromisso de toda a sociedade. O racismo e o machismo geram traumas profundos. É fundamental garantir espaços de acolhimento, acesso a tratamento adequado e oportunidades que permitam que essas mulheres vivam com dignidade e bem-estar.

Precisamos revisitar os nossos lugares na sociedade. Não basta apenas ter empatia ou se considerar aliada no combate ao racismo estrutural. É preciso levar esta luta para todos os ambientes, pressionar por políticas públicas efetivas, por ampliação e melhoria do SUS.

Nós não queremos ser guerreiras e fortes a todo tempo, não queremos ser sobrecarregadas, não queremos estar à margem. Isto precisa mudar. O que você pretende fazer para ajudar a mudar isso? Em 2025 eu desejo que nós mulheres negras possamos respirar no mês de janeiro e fora dele.

Edição: Vinícius Sobreira