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E foi só o primeiro mês

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O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva fala durante uma coletiva de imprensa no Palácio do Planalto, em Brasília, em 30 de janeiro de 2025 - EVARISTO SA / AFP
De imediato o que se vê é uma América Latina dividida frente às ofensivas vindas do norte

Com queda na popularidade do governo e complicações na economia e Trump, só faltou uma tentativa de golpe para janeiro ser pior.
 

.Cruzando a linha vermelha. resultado negativo revelado pela pesquisa do Instituto Quaest deixou mais íngreme a ladeira de descida da popularidade do governo que já se estende há mais de um ano. A novidade é que as avaliações negativas superaram as positivas e a insatisfação chegou às bases mais firmes do lulismo: a população de baixa renda, a região nordeste, o público feminino e de baixa escolaridade. As razões que explicam o fenômeno são variadas. É verdade que o tão falado “problema de comunicação” existe, como a atuação dos próprios ministros, mais preocupados em fazer propaganda para seus redutos eleitorais do que em mostrar trabalho em escala nacional. Mas a queda de aprovação está articulada a questões mais amplas. No caso mais recente da crise do Pix, ficou evidente que a disseminação de fake news para desgastar o governo encontrou uma base real no medo que assola a massa de trabalhadores informais espalhados pelo país. Afinal, um dos principais focos de instabilidade vem da economia. Para André Singer, o aumento do custo de vida explicaria as dificuldades de Lula em conquistar a adesão de importantes setores da classe trabalhadora que tiveram uma melhora de vida nas últimas décadas. Já para Felipe Nunes, diretor do Instituto Quaest, além do preço dos alimentos, haveria um sentimento de frustração frente a um governo que não entrega aquilo que promete. Nas palavras de Igor Felippe Santos, o desafio seria recuperar a credibilidade perdida e diminuir a distância entre o que Lula fala e aquilo que o governo faz. 

.Desnorteado. O que agrava a situação da perda da popularidade é a sensação de que o governo não faz ideia de como revertê-la ou realmente acredita que seu único problema é o ruído de comunicação. Por isso, que ninguém espere uma política impactante como algum tipo de PAC. O que tem para hoje é uma reforma ministerial que, por um lado, vai tentar resolver velhos problemas, com um possível ingresso de Gleisi Hoffmann para melhorar a relação com movimentos sociais, e por outro, acomodar o centrão com vistas a pacificar a relação com o Congresso em 2025 e ensaiar o amplo palanque para 2026. Com quase 20% do seu orçamento sequestrado pelas emendas - e no caso de alguns ministérios, em até 74%, como nos Esportes - o governo aposta que sofrerá menos pressão com o novo presidente da Câmara Hugo Motta e pretende aprovar sua pauta no Legislativo ainda no primeiro semestre, como a conclusão da reforma tributária, os supersalários do funcionalismo e a PEC da Segurança. Porém, mudam também os líderes de partidos e os presidentes de Comissões, e o PL não só deve adotar uma postura ainda mais beligerante, como pode recuperar o espaço perdido no Senado. Mas, se os ventos forem favoráveis, o Planalto pode enviar também uma proposta de regulação das redes sociais. Já com o carro-chefe da oposição, o mercado financeiro, não há nenhum horizonte de paz. Mesmo que o tom de Lula na última coletiva de imprensa tenha sido apaziguador, e apesar das melhoras na produção, emprego e redução do déficit com aumento da arrecadação, a Faria Lima está irredutível em se apropriar sozinha desta gordura através da taxa de juros. A imprensa delicadamente chamou de “95% de erros na previsão do mercado”, a prática frequente de chantagear o governo pela mídia e pela especulação com o dólar. E mesmo com a manutenção da Selic nas alturas e um Gabriel Galípolo bem comportado e alinhado com o mercado, a chantagem continua, como se vê no discursos dos bancos e da mídia. Pior para o trabalhador, que além do aperto no cinto, ainda pode conviver com ideias geniais que circulam no Planalto, como substituir o saque-aniversário do FGTS por crédito consignado privado ou flexibilizar contratos para “baixar o preço dos alimentos”.


 .Trumpetas do Apocalipse. Se o governo não sabe o que fazer com os velhos problemas, parece ainda mais acanhado com um novo problemão chamado Donald Trump. De imediato o que se vê é uma América Latina dividida frente às ofensivas vindas do norte, o que se confirmou com o cancelamento da reunião da Celac que estava agendada para a última quarta-feira (29) e que pretendia alinhar a resposta dos governos latino-americanos frente às deportações em massa. Nessa babel, temos desde um Trump portenho que propõe construir uma cerca na fronteira entre Argentina e Bolívia, até México e Colômbia, que bateram de frente com as políticas mais agressivas de Washington, passando pelo Brasil, que sonha em resolver o problema das deportações com diálogo através da criação de um Grupo de Trabalho com a Embaixada dos EUA. Outro impacto imediato do efeito Trump foi sentido na área ambiental. A saída dos EUA dos Acordos de Paris, esvazia a já combalida COP, cuja próxima cúpula será em Belém, em novembro. A própria decisão já é um sinal de ineficiência da Conferência, porque na prática, significa apenas que os EUA não são obrigados a apresentar um plano de corte de emissões de carbono, que é voluntário e sem mecanismos de cobrança ou penalização do seu cumprimento. O exemplo de Trump foi prontamente seguido por grandes corporações dos EUA e recebeu aplausos… do agronegócio brasileiro, que vai aproveitar a COP para propagandear a versão tupiniquim do negacionismo. Mas a eleição de Trump cria também novas oportunidades do continente se desvincular da dependência econômica e financeira norte-americana se os governos locais fizerem a sua parte. Além das políticas protecionistas de Trump tenderem a emperrar o comércio dos Estados Unidos com a América Latina, elas também podem acabar reforçando o sentimento anti-imperialista, ainda mais agora que China e Rússia também têm forte presença na região. No caso do Brasil, não dá pra esquecer que não são os Estados Unidos e sim a China o nosso maior parceiro comercial.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Donald Trump e o nazismo. No A Terra é Redonda, o professor Carlos Bugiato explica porque Trump pode ser definido como nazista.

.'Europa está em declínio e pode se tornar irrelevante'. Entenda porque só um investimento mais ousado que o Plano Marshall poderia reverter o declínio europeu. Na BBC Brasil.

.Como China foi incubadora ideal para DeepSeek e por que EUA podem ter obstáculos para alcançá-la. O Sputnik explica os condicionantes estruturais do avanço tecnológico chinês.

.O que podemos aprender com o sucesso da esquerda mexicana. Na Jacobina, conheça a estratégia política e o programa anti-neoliberal que embala a presidenta Claudia Sheinbaum.

.Ditadura militar do Brasil monitorou movimentos de apoio à Palestina. Documentos revelam que a ditadura estava de olho nos apoiadores da causa palestina entre os anos 1970 e 1980. Na Alma Preta.

.Rubens Paiva: o que o filme não mostrou! Em seu blog, o jornalista Marcelo Auler descreve em detalhes a investigação que reconstituiu os últimos dias de vida e os dois ocultamentos do corpo de Rubens Paiva.

 morto com 9 tiros de fuzil disparados por militares do Exército. Na Pública.

Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Nathallia Fonseca