Pernambuco

SEGURANÇA PÚBLICA

Após cenas de violência nas ruas do Recife, Governo do Estado admite não ter condições de garantir segurança em dias de jogos

Governadora Raquel Lyra (PSDB), que é delegada da Polícia Federal, pediu que Sport e Santa Cruz joguem sem torcida

Recife (PE) |
Horas após os confrontos nas ruas do Recife, a governadora Raquel Lyra (PSDB) reuniu secretários ligados à segurança pública para anunciar medidas - Hesíodo Góes/Secom Governo de Pernambuco

As cenas de violência nas ruas do Recife, no último sábado (1º), assustaram a população e chocaram o Brasil. Com exceção de um chocante ato de violência sexual praticado no meio da avenida contra um torcedor, o confronto entre grupos organizados pouco têm de novidade em relação ao que acontece todos os anos em confrontos de torcedores no Brasil ou em Pernambuco. E nada há de novo também nas “soluções” apontadas pelo poder público ou pela Federação Pernambucana de Futebol (FPF), detentora do campeonato.

Num primeiro momento, no início da tarde do sábado, horas após os confrontos, mas ainda antes da partida ter início, deputados estaduais, encabeçados por Álvaro Porto (PSDB), presidente da Assembleia Legislativa (Alepe), pediram o cancelamento do evento e o agendamento de um novo jogo. Com milhares de torcedores já no estádio, o Governo de Pernambuco não endossou o pedido e a FPF não acatou a proposta. Jogo realizado, vitória do Santa Cruz e retorno para casa sem grandes tumultos.

Naquela mesma noite, a governadora Raquel Lyra (PSDB), delegada concursada da Polícia Federal, concedeu entrevista coletiva ao lado dos comandantes da Polícia Militar, da Secretaria de Defesa Social (SDS) e do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), para anunciar a proibição da presença de torcedores nos próximos cinco jogos com mandos de campo do Sport e do Santa Cruz.

No caso do Sport, a punição pode durar todo o mês de fevereiro, enquanto para o Santa Cruz pode se estender até o fim de março. Nesta segunda (3), a FPF e os 10 clubes envolvidos no Campeonato Pernambucano divulgaram carta pedindo que o Governo do Estado reconsidere a punição. “A solução efetiva passa pela atuação firme e eficaz do Poder Público no combate aos criminosos travestidos de torcedores”, diz a nota. O presidente da FPF, Evandro Carvalho, aponta como solução a realização de clássicos com torcida única.

Leia: A criminalização das torcidas organizadas resolve o problema?

Torcedores voltam a se atacar nas ruas do Recife

Torcidas organizadas lutam contra a proibição da entrada de instrumentos nos estádios em Pernambuco


Presidentes do Náutico, Sport e Santa Cruz em reunião no Ministério Público de Pernambuco / Priscilla Buhr/AMCS

A medida já foi adotada noutras ocasiões e noutros estados, se mostrando pouco efetivas no objetivo de evitar confrontos entre torcedores. Em 2024, no Recife, houve casos de ataques de torcedores organizados contra torcedores de clubes rivais mesmo em jogos sem que um dos times estejam envolvidos. Durante a pandemia de covid-19, com jogos de portões fechados, houve registros de brigas entre torcidas nas ruas do Recife.

Desta vez, os jogos com portões fechados foram um pedido do Ministério Público de Pernambuco (MPPE). A governadora Raquel Lyra (PSDB) endossou a medida. “Pessoas vestidas de torcedores praticaram atos criminosos, colocando um sentimento de terror na cidade. Foram cenas de selvageria e barbárie que não são toleradas no nosso Estado. Nós trabalharemos de maneira incansável para que não volte a acontecer”, disse a tucana.

Em fevereiro de 2024, o ônibus que transportava atletas do Fortaleza, após um jogo contra o Sport, foi apedrejado nas ruas do Recife, ferindo atletas do clube cearense. Dez dias depois, sem conseguir identificar os culpados, a polícia acabou prendendo o presidente e vice da torcida organizada do Sport, que acabaram soltos dias depois.

Um balanço do Governo de Pernambuco neste sábado (1º) aponta 14 homens detidos. “Temos imagens e já estamos identificando os envolvidos para que respondam”, disse Alessandro Carvalho, Secretário de Defesa Social de Pernambuco. Em conversa com a imprensa, o secretário negou que tenha havido falhas. “Posso dizer que não houve nenhuma falha no policiamento. Existem torcedores e existem aqueles que querem brigar, muitas vezes provocando mortes”, se esquivou Carvalho.

A torcida organizada Inferno Coral divulgou em suas redes sociais um documento entregue na véspera à Polícia Militar. O documento comunica à PM as rotas de caminhada da torcida em direção ao estádio, inclusive apontando as vias com maiores riscos de confronto com torcidas rivais, entre as quais está a rota pelo bairro da Torre, onde aconteceu a briga.

O chefe da Segurança Pública em Pernambuco cita como medidas necessárias o controle de compra de ingresso e acesso ao estádio, com implementação de biometria facial nos torcedores. “A portaria da SDS afirma que não há condições de segurança no momento para que jogos do Santa Cruz e do Sport sejam feitos com torcida. Isso vale para competições organizadas pela FPF ou pela CBF. O que se pretende com isso é implementar medidas”, disse Alessandro Carvalho.

O secretário não citou, no entanto, formas de evitar os confrontos nas vias públicas, que são muito mais frequentes que as brigas dentro dos estádios. Os confrontos acontecem na capital pernambucana há pelo menos 30 anos.


“A portaria afirma que não há condições de segurança no momento para que jogos do Santa Cruz e do Sport sejam feitos com torcida”, admite o secretário de Defesa Social, Alessandro Carvalho / Priscilla Buhr/AMCS

A Câmara de vereadores do Recife aprovou, em 2023, uma lei que exige dos clubes de futebol a instalação de sistemas de reconhecimento biométrico facial para o acesso aos estádios.

Nesta segunda-feira (3), se reuniram na sede do MPPE os três grandes clubes da capital (Náutico, Santa Cruz e Sport), a FPF, a SDS e a Polícia Militar

O caso

Por volta do meio-dia, mais de quatro horas antes da partida entre as duas equipes pelo Campeonato Pernambucano, a uma distância de mais de 4 quilômetros do Estádio do Arruda, grupos de torcedores organizados ligados à Inferno Coral (do Santa Cruz) e da Jovem do Leão (Sport) se enfrentaram nas ruas das bairros da Torre e da Madalena. Vídeos mostram alguns homens sendo espancados, alguns deles a pauladas, ensanguentados, tendo suas roupas rasgadas pelos rivais. Uma das vítimas é foi alvo de uma violência sexual com uma barra de ferro.

Segundo informações de integrantes da Jovem do Leão, o confronto não foi premeditado. Um grupo de torcedores do Sport estava reunido na sede do clube, na Ilha do Retiro. Ao saberem que torcedores organizados da equipe rival estavam transitando pelas proximidades da Ilha, os rubro-negros foram instigados ao confronto. As duas torcidas protagonizam cenas de enfrentamento nas ruas todos os anos, mesmo em datas sem jogos entre as duas equipes.

Edição: Vinícius Sobreira