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Fica tudo como está

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O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, e do Senado Federal, Davi Alcolumbre, com Lula no Palácio do Planalto - Ricardo Stuckert / PR
O que sobra para o governo, sem pedir autorização a ninguém, é discutir a sua própria comunicação

Olá,

Enquanto o país segue sob direção do centrão e da Faria Lima, a estratégia do governo parece ser jogar parado.

.Mudam os reis, fica a côrte. Por caminhos tortos, o legado de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco à frente do Congresso foi construir o clima de estabilidade institucional tão sonhado pelos legalistas. Afinal, a transição tranquila nas presidências da Câmara e do Senado mostra um raro momento de convívio democrático entre esquerda e direita. Tudo isso sob a mão de ferro do centrão, poder inconteste da República. O recado dado pelos recém-eleitos Hugo Motta (Rep) na Câmara e Davi Alcolumbre (União) no Senado é o de que é preciso equilíbrio entre os poderes e respeito à autonomia de cada um. Que em resumo significa “nas emendas ninguém toca”, e aproveitaram para lembrar que o STF também está devendo quando o assunto é transparência. Nesse ponto, a situação pode se tornar ainda mais desfavorável para o governo, uma vez que o Congresso pretende vincular a destinação de recursos dos ministérios às orientações dadas pelas Comissões Legislativas temáticas. Mas a disputa ainda promete ter novos capítulos. Por outro lado, o clima de estabilidade no Congresso vai ao encontro da aposta de Lula em congelar o quadro político até as eleições de 2026, o que simplesmente confirmaria uma suposta vitória apontada nas pesquisas. Além da promessa de moderação e diálogo com a base aliada, Hugo Motta fez acenos à política econômica de Haddad, ainda que algumas propostas do governo como redução de supersalários e aumento de impostos terão dificuldades para serem aprovadas. Já no Senado, a expectativa é que Alcolumbre pressione pela aprovação da exploração de Petróleo na foz do Amazonas, projeto que interessa à sua base regional, sofre resistências do Ibama e divide opiniões dentro do governo. O que prova que a pauta ambiental não tem vez dentro do Congresso nem em ano de COP 30. Já do lado da oposição, o bolsonarismo se dividiu entre lançar a candidatura própria de Marcel van Hattem (Novo) à presidência da Câmara ou apoiar Hugo Motta. O resultado não significou derrota, já que a partilha das Comissões da Câmara e do Senado podem favorecer o clã Bolsonaro. E sem um nome competitivo para 2026, o bolsonarismo raiz aposta agora numa mudança da Lei da Ficha Limpa que reverta a inelegibilidade do chefe e mobilize sua base fiel.

.A Faria Lima venceu. Outra área em que nada deve mudar é na economia. Mesmo com sete dos nove diretores do Banco Central indicados pelo governo Lula e já sob a gestão de Gabriel Galípolo, nada no horizonte indica uma reversão das altas taxas de juros. Ao contrário, o mercado já aposta que a Selic deve aumentar entre 0,5 e 1,25% em maio e o “novo” BC mantém a mesma orientação de seu antecessor - condicionar a redução da taxa à redução de investimentos sociais do governo, além de culpar o crescimento econômico pela inflação. O mais grave é que, apesar de Lula definir o legado de Campos Neto como uma “arapuca”, o Planalto parece ter adotado a linha do “aceita que doi menos”. Fernando Haddad não apenas elogiou que a alta de juros deve baixar a inflação rapidamente, como entre os projetos prioritários do Congresso estão dois que acentuam a lógica de financeirização: o e-social ou e-agiota, que permitem usar o FGTS como garantia para a babilônia do crédito consignado, e a autorização para que os adolescentes que recebem o Pé-de-Meia possam investir no Tesouro Direto. Com o centrão e a Faria Lima ocupando os espaços reais de decisão e repartindo o orçamento da União entre emendas e pagamento da dívida pública, sobra pouco para o governo federal. Vide o tema do preço dos alimentos, que depois de ensaiar algumas ideias e nem cogitar uma política de estoques reguladores através da CONAB, a posição do governo é aceitar a recomendação do mercado - esperar que o dólar baixe e contar que a melhora da safra se converta em preços mais baixos ao consumidor. Sem mexer na Selic, nem na inflação, o que sobra para o governo, sem pedir autorização a ninguém, é discutir a sua própria comunicação, única coisa sob nova direção em 2025. A nova diretriz inclui mais viagens pelo país e bastante energia gasta com uma guerra de bonés.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Gaza não será a Riviera dos genocidas. Delírio geopolítico, limpeza social e étnica e mercantilização total da vida nas pretensões de Trump para a Palestina. No Outras Palavras.

.A peleja dos bilionários contra a 'ameaça' chinesa. Por trás da aliança de Trump e das bigs techs, o temor com a superioridade tecnológica chinesa . Por Luiz Zarref e Tica Moreno, no Brasil de Fato.

.As cartas que a ditadura escondeu. Na Piauí, o jornalista que entrega, décadas depois, as cartas dos exilados apreendidas pela ditadura.

.Benedito Mariano: proposta da extrema direita para Segurança Pública é demagógica. Em entrevista na Fórum, o especialista aponta três pilares para a desmilitarização das polícias.

.Iemanjá: por que orixá de origem africana virou 'mulher branca' no Brasil. O embranquecimento e a ocidentalização de uma orixá africana. Na BBC.

.Quando a revolução africana invade o cinema. Como os EUA usaram a indústria cultural contra as revoluções africanas é o tema do documentário “Trilha Sonora para um golpe de Estado”. No Outras Palavras.


.Lélia Gonzalez: 90 anos de um legado inapagável na luta antirracista. A Alma Preto relembra o pioneirismo dos debates sobre raça e gênero na obra da antropóloga brasileira.



Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Nathallia Fonseca