A administração Nunes não vê bicicleta como parte de uma política pública de transporte sustentável
O chefe da Assessoria Técnica da Secretaria de Mobilidade e Trânsito da cidade de São Paulo (SMT), Ricardo Airut Pradas, disse na última reunião da Câmara Temática da Bicicleta que foi proposto ao novo secretariado do prefeito Ricardo Nunes (MDB) prorrogar o atual contrato do Consórcio Moove, vencedor da licitação em 2022 para operar os 114 quilômetros da Ciclofaixa de Lazer, valor total de 83,4 milhões (R$ 41,7 milhões por ano). O atual contrato vence no mês de abril e pode ser estendido por até 24 meses.
Na proposta da SMT haveria, ainda, um aumento de 25% no escopo dos serviços, o que pela lógica simples daria para aumentar o atendimento por mais 28,5 quilômetros, ainda insuficiente para levar essa alternativa de lazer e incentivo ao uso da bicicleta para mais bairros da capital fora do centro expandido, do lado de cá da ponte.
Pediram, para isso, uma verba de R$ 61 milhões para o primeiro ano da prorrogação. Não rolou. No máximo, o tempo extra será de mais 12 meses, a partir de maio de 2025, e o valor do serviço será corrigido pelo Índice de Preços ao Consumidor da Fipe. E só. Para isso, a Secretaria de Finanças reservou R$ 45 milhões dentro da Lei Orçamentária vigente.
Para além dessa prorrogação, qualquer suplementação financeira tem que passar pela Secretaria de Planejamento. E mais: os novos chefões da prefeitura estipularam que o custeio da Ciclofaixa de Lazer tem que voltar para a iniciativa privada. É aí que mora o perigo.
Alegam querer o dinheiro para fazer novas infraestruturas efetivas que atraiam mais pessoas para o uso da bicicleta. É bom discurso, mas não cola. Fica difícil acreditar na promessa de uma gestão que prometeu 300 km de novas ciclovias de 2021 a 2024, mas entregou menos de 100.
E é a mesma gestão que, em termos de segurança viária, preferiu investir no projeto de faixas para motos como solução para reduzir óbitos e lesões no trânsito (que vêm aumentando anualmente) e que, agora, se vê diante de um problemão frente à ofensiva das empresas de aplicativos para liberar o serviço de mototáxi.
Antigamente, a Ciclofaixa de Lazer não custava nada para os cofres públicos. De 2009 a meados de 2019, chegou a ter 124 quilômetros e até mecânicos e mecânicas que ajudavam ciclistas. A despesa era de mais ou menos R$ 10 milhões por ano e paga pela Bradesco Seguros. Ela desistiu do patrocínio em meio a uma série apontamentos de irregularidades realizadas pelo conselheiro Edson Simões, do Tribunal de Contas do Município, referente à planilha de custos e cumprimento de leis trabalhistas. O prefeito da época era Bruno Covas (PSDB).
Sem o dinheiro da seguradora, paulistanos ficaram sem ciclofaixa por quase um ano até que o Uber assumiu a atividade, mas só por dois anos, de agosto de 2020 a agosto de 2022, declarando despesas de R$ 11,5 milhões anuais, mas sem oferecer a ajuda dos mecânicos. Com isso, foram mais alguns meses de faixas exclusivas para bicicletas aos domingos e feriados nacionais.
A prefeitura chegou fechar um novo acordo de cooperação com a Coranda, uma desconhecida agência de publicidade. Ela não atraiu nenhuma marca e ainda deixou dívidas com trabalhadores e fornecedores. O acordo foi interrompido pela prefeitura que resolveu então fazer uma licitação e pagar R$ 41,7 milhões anuais para manter a política pública, valor quase quatro vezes maior do que os declarados pela Bradesco e Uber.
Quem ficou atento a essa montanha de dinheiro gasta pelo Tesouro Municipal foi o professor Nabil Bonduki da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, hoje vereador eleito pelo PT em São Paulo. Ele produziu dois vídeos apontando diversas irregularidades na gestão da Ciclofaixa de Lazer.
Além da suspeita de superfaturamento nos preços dos cones, ele mostrou a redundância existente nos trechos em que a Ciclofaixa de Lazer é montada em cima de estrutura fixas, como na Rua Vergueiro e Avenida Paulista. E também reverberou uma reclamação recorrente de ativistas, de que o benefício fica restrito ao Centro Expandido da cidade, deixando de fora bairros periféricos, e só funciona das 7 às 16 horas, o que seria aceitável quando era bancado por empresas, mas injustificável quando o pagamento sai do Tesouro Municipal.
O possível encerramento das atividades da ciclofaixa de lazer não é nenhuma surpresa, visto que a administração Nunes não vê a bicicleta como parte de uma política pública de transporte sustentável. A única promessa do prefeito no plano de governo proposto na eleição do ano passado foi terminar a construção da ciclopassarela sob o Rio Pinheiros inaugurada em janeiro de 2025 e mais nada.
É possível que escutemos, ao longo deste ano, alguma intenção por parte da prefeitura paulistana de inserir a Ciclofaixa de Lazer junto a uma proposta de privatização das ciclovias, medida já prevista em forma de lei aprovada no final do ano passado.
Só que o cenário ainda é muito cinzento. A gente sabe que o empresário só vai colocar o dinheiro onde há retorno e, dessa maneira, estruturas onde passam menos gente sempre vão correr o risco de serem desprezadas, deixando a Ciclofaixa de Lazer ainda mais restrita às áreas mais endinheiradas da cidade.
* Rogério Viduedo é jornalista de São Paulo e integrante do Programa de Jornalismo de Segurança Viária da Organização Mundial da Saúde. Cobre as áreas de segurança viária a mobilidade sustentável desde 2016. Em 2018, criou o site Jornal Bicicleta para cobrar autoridades por soluções eficientes para deslocamento da população. Recebeu o Prêmio Abraciclo em 2021 com a reportagem, "Cultura da bicicleta se aprende na escola".
** As opiniões contidas neste artigo não representam necessariamente as do Brasil de Fato
Edição: Nathallia Fonseca
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