O efeito Trump parece ter contagiado até o Planalto
Olá, o discurso ambiental do governo foi substituído pela diplomacia do aço e do petróleo. Mas Lula continua sonhando com água fresca.
.Tiro no pé? O Planalto escolheu a cautela diante do anúncio de Donald Trump de taxar em 25% as importações americanas de aço. A princípio, destinando 48% da sua produção para os EUA, o Brasil seria um dos países mais atingidos, com prejuízos calculados em US$ 6 bilhões nas vendas. Como a taxação americana já era esperada, a forma de reagir já era discutida há alguns dias e a opção do governo e de empresários foi esperar para ver no que vai dar. Primeiro, porque há uma avaliação de que o estrago seria maior justamente para multinacionais como ArcelorMittal e Ternium e menores para as brasileiras Gerdau e CSN. Segundo, porque a taxação também pode ser interpretada como uma manobra de Trump para negociar. Josias de Souza lembra que, em 2018, Trump também impôs tarifas de 25% sobre o aço. Duas semanas depois, suspendeu-as para negociar. Depois, as tarifas viraram cotas e, no final do mesmo ano, nem a cota havia mais. Além disso, quando George W. Bush usou o mesmo mecanismo, o efeito a longo prazo foi o contrário, prejudicando a própria indústria americana. É verdade, porém, que a margem de manobra brasileira também é curta, sem as mesmas ferramentas de retaliação que a União Europeia e sem poder contar com a OMC, esvaziada por Trump. Mais do que econômico, o impacto de Trump parece ser mais político. Como analisa Pedro Marin, o Itamaraty não se preparou para o significado da eleição de Trump e para uma mudança da política externa americana, em que o vacilante Biden deu lugar à estratégia de entrar solando em temas como Gaza, Ucrânia e a questão ambiental, reduzindo qualquer espaço de protagonismo para um país emergente. Com exceção do tema palestino, a opção brasileira é não comprar briga e não se transformar num polo anti-Trump, o que é um problema quando se está na presidência dos Brics, principal contraponto ao poder americano. Talvez o Planalto até se aproveite do fato que os estados mais prejudicados pela taxação do aço sejam governados por admiradores trumpistas como São Paulo, Minas e Goiás. Mas, ao mesmo tempo, é inegável que Trump está alimentando os dois setores mais raivosos da oposição, o bolsonarismo e a Faria Lima.
.Passando a petrolada. O efeito Trump parece ter contagiado até o Planalto. Se o americano se elegeu prometendo “perfurar, baby, perfurar”, Lula cobrou, nesta semana, o “fim da lenga-lenga do Ibama” sobre a exploração de petróleo na foz do Amazonas. Além de Trump, Lula acabou comparado até com Bolsonaro quando insinuou que “é um órgão contra o governo”. Na prática, o presidente preferiu apostar na política imediatista, afagando David Alcolumbre e alimentando os sonhos eleitorais de um novo pré-sal. Mas, a declaração também sinaliza que a COP 30 no Brasil pode seguir a mesma tendência das anteriores, onde o petróleo deixou de ser o vilão para ser o protagonista que dá as cartas. E pior, a frase vem justamente no momento em que o planeta registrou as maiores temperaturas da história em janeiro e as previsões para a próxima semana são ondas de calor com sensação térmica que pode chegar a 70ºC. No Rio Grande do Sul, além da seca na agricultura, o sindicato dos professores duela com o governo do Estado para suspender as aulas por conta do calor extremo. Não associar a temperatura à exploração de petróleo seria negacionismo. Para piorar, no dia seguinte à entrevista de Lula, uma barragem de rejeitos de mineração operada “informalmente” por uma “empresa desconhecida” estourou a poucos quilômetros de Macapá, num exemplo da capacidade dos poderes públicos lidarem com a fiscalização ambiental na região.
.Esqueleto no armário. Desde que assumiu seu terceiro mandato, um dos grandes desafios de Lula tem sido enfrentar o legado golpista dentro e fora das forças armadas. Mesmo aquém das expectativas, as instituições reagiram investigando e prendendo envolvidos, inclusive um general quatro estrelas (Braga Netto) e abrindo caminho para uma possível prisão de Bolsonaro. Mas a mudança no comando da Câmara reavivou o esforço da bancada bolsonarista para anistiar os envolvidos no 8 de janeiro, rompendo o acordo de cavalheiros feito com o recém-empossado Hugo Motta. Dificilmente a proposta vai prosperar, assim como reverter a inelegibilidade de Bolsonaro, mas o importante é manter acesa a chama da oposição, já que em Brasília o clima já é pré-eleitoral. Falando em golpismo, não é só dentro do Congresso que o passado tende a não passar. O governo também carrega seus próprios esqueletos no armário e um deles chama-se José Múcio, que recentemente saiu em defesa dos envolvidos no 8 de janeiro. O livre trânsito do ministro da Defesa com os generais golpistas pode inclusive render argumentos para a defesa de Bolsonaro. Mesmo assim, este é o caso de um ministro blindado e que não entrará em qualquer reforma ministerial. É verdade que em algumas ocasiões Múcio atuou como mediador, como na questão espinhosa da reforma da previdência das forças armadas que sofre forte resistência dentro da caserna. Mas, a verdade é que ele sempre foi mais um representante dos interesses militares dentro do governo do que o contrário. Não por acaso, sua nova campanha é engordar o orçamento das forças armadas com a justificativa de que a eleição de Trump aumentou a instabilidade no continente e exige maiores investimentos na defesa nacional. Se o governo não reage em relação aos militares, felizmente há um Flávio Dino no STF para lembrar que os tempos mudaram e que para certos crimes cometidos pela ditadura não pode haver anistia. Mas Lula não quer guerra com ninguém, e se depender dele, 2026 vai chegar e José Múcio vai poder dizer com Ainda estou aqui!”.
.Ponto Final: nossas recomendações.
.A Transparência Internacional e a indústria da anticorrupção. Luis Nassif alerta para a volta da ONG anticorrupção que apoiou a Lava Jato. No Jornal GGN.
.O que dizem os nomes das favelas de São Paulo. A Agência Mural mapeou os nomes das 1.359 favelas paulistanas e encontrou histórias comuns.
.Clima é de impunidade 20 anos após morte de Dorothy Stang. De 2005 para cá, pouca coisa mudou em Anapu, no Pará. Veja no DW.
.Cem vezes viva: a travessia de Elizabeth Teixeira. O ex-ministro Roberto Amaral presta homenagem à líder camponesa que comemora seu centenário. No Brasil de Fato.
.Hattie McDaniel. Primeira pessoa negra a vencer o Oscar, a atriz foi impedida de participar da celebração pelas leis de segregação dos EUA. Sua carreira é relembrada pela Nós.
.A alegria de ler. O Instituto Tricontinental relembra o papel da leitura nos processos revolucionários.
Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
Edição: Nathallia Fonseca
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