Em meio a secas e inundações causadas pelas mudanças climáticas, a agroecologia desponta como uma alternativa para manutenção da produtividade da agricultura. Pesquisas em diferentes países e órgãos internacionais sobre produção alimentar já comprovaram que o cultivo de lavouras com uso de sementes crioulas – sem modificação genética – e em meio a vegetação é mais resistente frente a intempéries cada vez mais frequentes em tempos de aquecimento global.
As secas e os temporais foram os grandes responsáveis pela redução da produção de alimentos no Brasil em 2024. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país colheu 7,2% menos grãos no ano passado do que em 2023.
O cultivo de grão no Brasil é feito, predominantemente, pelo agronegócio – usando grandes áreas de monocultura, com sementes vendidas por multinacionais e com grande uso de fertilizantes e agrotóxicos.
A redução da safra afetou principalmente a população mais pobre do país, que mais compromete sua renda comprando comida. A inflação de alimentos chegou a 7,69%, criando um problema para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“A seca prolongada de 2024 afetou a produtividade da soja. No Rio Grande do Sul, o excesso de chuva também prejudicou a produção da oleaginosas”, lembrou Clayton Campagnolla, coordenador do tema Clima e Alimento do Instituto Fome Zero, ex-presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Segundo ele, nas culturas do arroz e da soja, quase não há emprego de técnicas de agroecologia. Se houvesse, as perdas da produção provavelmente teriam sido menores. “Quanto maior o teor de matéria orgânica dos solos, maior é sua capacidade de retenção de água, fazendo com que as plantas sofram menos os efeitos das secas e os solos resistam mais aos efeitos erosivos das chuvas”, explicou ele, ressaltando que a agroecologia usa técnicas para aumentar a matéria orgânica na terra.
Na agroecologia, a produção acontece em harmonia com o meio ambiente, evitando o uso excessivo de agrotóxicos e fertilizantes químicos. Ela também segue princípios de valorização do trabalho rural e da produção de alimentos saudáveis.
Campagnola destacou que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) já reconheceu, após levantamentos de campo e pesquisas, que agroecossistemas são mais resilientes.
Joel Leandro de Queiroga, pesquisador de agricultura familiar e agroecologia da Embrapa Meio Ambiente, em Jaguariúna (SP), confirmou o reconhecimento da agência internacional. "Segundo a FAO, o programa agroflorestal do Malawi, África, reduziu perdas por secas, considerando a melhor filtração de água no solo. Estudos realizados na Etiópia, Índia e Países Baixos demonstraram que as propriedades físicas dos solos em cultivos agroecológicos melhoraram a resistência à seca."
Sementes adaptadas
Paulo Petersen, agrônomo e membro do núcleo executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), disse que essa resiliência das lavouras de agroecologia também tem a ver com as sementes usadas nesse tipo de cultura. Segundo ele, sementes vendidas por grandes corporações são geneticamente modificadas para terem alta produtividade em situação climáticas perfeitas. Hoje, essa perfeição é cada vez mais rara.
No caso da agroecologia, as chamadas sementes crioulas, sem modificação genética e selecionadas uma a uma pelos agricultores, têm uma capacidade de adaptação maior.
“A genética selecionada para a maximização da produtividade deixa as plantas muito mais vulneráveis. São plantas ou são genótipos preparados para responder a condições ótimas de clima, de fertilidade de solo”, explicou. “Já as variedades utilizadas na agroecologia, com sementes selecionadas e melhoradas localmente, são mais adaptadas a diferentes ambientes. Têm o que chamamos de plasticidade ecológica.”
Queiroga, da Embrapa, ratificou a maior resistência das sementes crioulas. “Essas variedades, em geral, são mais rústicas, menos exigentes em fertilidade do solo e melhor adaptadas às condições de solo e de clima local”, ressaltou.
Ele também disse que estudos da Embrapa Meio Ambiente mostraram que o cultivo de lavouras em meio a árvores, como numa agrofloresta, as protege de variações extremas de temperatura e aumenta a umidade do ar, favorecendo a produção.
Recuperação
O pesquisador disse ainda que sistemas agroecológicos também são mais eficientes após enchentes ou inundações, pois se recuperam mais rapidamente. Em lavouras agroecológicas, não existem grandes espaços ocupados por monoculturas. Assim, mesmo em caso de fortes chuvas, algumas espécies tendem a resistir.
“O cultivo consorciado [combinado] de diferentes espécies aumenta a probabilidade de garantia de produção de algumas espécies em caso de danos drásticos provocados por eventos climáticos em algumas culturas específicas”, disse ele.
Campagnola afirmou que estudos já confirmaram esse poder de recuperação. “Após o furacão Mitch na Nicarágua, em 1998, as propriedades mais diversificadas sofreram menos erosão e perdas econômicas do que as propriedades que praticam monoculturas convencionais”, afirmou.
Mais que produção
Campagnola ressaltou que, apesar dessas vantagens, a agroecologia não está só focada na produtividade. Procura também produzir alimentos mais diversificados, restaurar o solo e possibilitar que as populações rurais participem e usufruam desses processo.
Segundo ele, o método de produção ainda contribui para a redução do aquecimento global e dos transtornos que ele causa a toda a população. Portanto, deveria ser incentivado por todas as esferas da sociedade.
Para Petersen, da ANA, esse incentivo está longe do ideal. Segundo ele, a adoção em grande escala do sistema de produção exigiria mudanças na forma de comercialização dos produtos, no comportamento dos consumidores e até na estrutura fundiária do Brasil. “Em um país como o nosso, que ostenta uma das maiores concentrações fundiárias do planeta, isso passaria necessariamente por uma ampla reforma agrária”, avisou.
“A agroecologia já figura no rol de soluções da FAO e na Pnapo (Politica Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica) no Brasil, porém, estas soluções necessitam ser intensificadas”, concluiu Queiroga.
Edição: Martina Medina
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