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Pernambuco investiga se dragagem do Porto do Recife é causa do lixo nas praias do litoral sul

Lixo começou a aparecer nas praias três dias depois do início das obras de dragagem no Recife

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Maracaípe, no município de Ipojuca, foi uma das praias atingidas por quantidades atípicas de lixo - Carlos Chalaça/ Reprodução

Caminhando com o marido no Pontal de Maracaípe, no Litoral Sul de Pernambuco, nesse domingo (13), Mirella Costa, mestra em Oceanografia, se deparou mais uma vez com um volume anormal de lixo na praia. Com um olhar mais atento, se via: duas tartaruguinhas que pareciam mortas se misturavam em meio aos dejetos. O casal retirou os filhotes, desvanecidos entre embalagens, sacolas e copos plásticos, e ajudou a colocá-los de volta na rota em direção ao mar.

Mas, caso continuem chegando os resíduos que há três semanas vêm poluindo as águas e as praias da Região Metropolitana sul e do litoral sul de Pernambuco, a cena certamente se repetirá. Alertada pelas inúmeras denúncias feitas por movimentos ambientalistas e pelas redes sociais, a Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH), vinculada à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) de Pernambuco investiga se a causa seria as obras de dragagem do Porto do Recife, que tiveram início no dia 22 de janeiro. 

Boa Viagem, no Recife; Jaboatão dos Guararapes; Paiva, Itapuama e Pedra de Xaréu, no Cabo de Santo Agostinho, Região Metropolitana; e Muro Alto, Gamboa, Porto de Galinhas, Maracaípe e Serrambi, em Ipojuca, Litoral Sul, foram algumas das praias onde houve avistamento de quantidades atípicas de lixo nesse período. Em entrevista ao Brasil de Fato Pernambuco, Eduardo Elvino, diretor de Licenciamento Ambiental da CPRH, especificou que as ocorrências começaram a ser registradas a partir do dia 25 do último mês, três dias depois do começo das obras. Acionada para descobrir o motivo, o órgão está trabalhando com duas hipóteses, sendo a primeira relacionada ao Porto do Recife. A dragagem, em si, é um serviço autorizado pela Agência, mas não deveria haver escape de lixo para o oceano, explica o diretor.

 "Essa atividade consiste em uma draga que succiona, à princípio, apenas sedimentos do fundo do local, mas que, em virtude da grande quantidade de resíduos sólidos, acaba retirando também pneus, restos de cadeira e tantos outros materiais que ali estavam depositados. Dentro da draga, tem um filtro em que a parte mais fina de sedimentos passa e os resíduos ficam, e a 11 km da costa, no local que a gente chama de bota-fora, ele joga o sedimento retirado. Não é para esse lixo sair da draga”, explica.

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No entanto, um vídeo de um pescador recolhendo lixo na superfície do mar próximo ao local em que a draga deposita os sedimentos acendeu o alerta da CPRH. Na última sexta-feira (11), um técnico da Agência fez uma vistoria no local, mas não chegou a acompanhar o descarte do material no bota-fora, apenas a chegada da draga com o lixo ao porto. Essa inspeção em alto-mar só irá acontecer na próxima semana, quando a draga, que está em manutenção, voltar a operar. “A CPRH vai analisar na hora do lançamento se existe fuga de material da draga. Também solicitamos ao porto uma equipe de monitoramento próxima à draga, e eles garantiram que na próxima semana haverá uma de prontidão para fazer a limpeza caso haja algum escape”, contou.


O lixo encontrado em toda extensão da orla é semelhante: resíduos sólidos residenciais, como sacolas, potes, pacotes e garrafas plásticas / Carlos Chalaça/ Reprodução

Se for constatado que há o descarte de lixo no mar, as medidas cabíveis serão tomadas, garantiu Elvino. “O Porto do Recife seria intimado para fazer a mitigação desse dano – no caso, colocar uma empresa para limpar –, e, se houver reincidência, seria autuado por crime ambiental de poluição”, detalhou. 

A segunda linha de investigação da CPRH é que as fortes chuvas que aconteceram no Grande Recife podem ter sido o motivo do incidente. “A gente sabe que Recife é cortado por 99 canais e dependendo do índice pluviométrico, isso pode vir a comprometer a limpeza urbana, trazendo resíduos para os canais, que vão parar nos rios Capibaribe e Beberibe. Isso acarreta que esse material é levado para o mar. Como desde o dia 25 as correntes estão dando para o Litoral Sul, pode ser que a Região Metropolitana tenha levado esse material”, contou.

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Segundo Elvino, o material que está chegando nas praias está em estado de decomposição. “Isso mostra que estava preso em alguma área de mangue, área de processo de decomposição, mais ou menos como rio”, disse. A determinação da causa será por meio de eliminação - se for comprovado que a dragagem não está liberando lixo no mar, a responsabilidade será atribuída às chuvas.

Recorrência pode causar consequências graves

Mirella Costa, que é pesquisadora do Projeto Ecológico de Longa Duração Tamandaré Sustentável, ligado ao Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), observou o aumento atípico de resíduos na praia em Maracaípe pela primeira vez no último dia 1º. “Chegou de uma vez. A praia estava regular - sempre tem uma quantidade de lixo, mas nada que chame atenção -, e de um dia para o outro apareceu repleta de lixo”, relatou.

Ela explicou que todos os dejetos observados nessas praias são semelhantes, o que indica que têm a mesma origem. “São principalmente sacos plásticos, pasta de dente, pote de margarina, pacote de biscoito, de salgadinho, de arroz, garrafa plástica – ou seja, lixo residencial que veio de dentro da casa das pessoas e que conseguiu atingir o oceano. Não é aquele lixo de praia, que um turista deixou, com canudos e latinhas de refrigerante”, detalhou.

A mestra em Oceanografia reforçou a necessidade de se identificar a fonte e estancá-la.  “E ainda que a fonte pare, é provável que o lixo já esteja bem espalhado no mar. Vai levar um tempo até que atinja as praias ou se deposite no fundo do mar”, alertou. Costa ainda levanta que, se estiver no ambiente do oceano, a poluição seria ainda mais difícil de remover. “O que chega nas praias às vezes não é nem 1% do que está no oceano.”

Costa adverte que a periodicidade do aparecimento de resíduos nas praias está crescendo. “O que assusta é que isso se torne uma coisa muito comum no futuro. A quantidade de lixo vem aumentando por causa do consumo, e é possível que se torne normal. A gente não quer isso. Saiu agora em um relatório da Circle Economy um dado alarmante, que 91,4% do que a humanidade produz acaba virando lixo. Isso é um alerta para a gente rever nosso modo de sobrevivência no planeta”, comentou.

O aparecimento recorrente de lixo no mar pode causar prejuízos sérios, tanto para vida marinha como para a urbana, comentou a pesquisadora. “Os organismos, como peixes, tartarugas e golfinhos se prendem nesse plástico, podem ingerir e acabam morrendo, ou, ao ingerir, passam essas substâncias para o tecido e quando a gente come peixe absorve também. Tem efeito para a atividade econômica, já que dá uma repercussão muito negativa para o turismo. E, se causar evento de mortandade de peixes, pode impactar a pesca.”

Felipe Meireles, diretor-presidente da ONG Instituto Meu Mundo Mais Verde, também percebe o aumento da incidência. “O lixo nas praias já é um problema antigo, a gente já vem observando esse aumento há bastante tempo, principalmente na Região Metropolitana do Recife (RMR). Em julho de 2021, foi apresentado um diagnóstico em relação ao tipo de resíduo que vem chegando nas praias. São resíduos sólidos urbanos - lixo domiciliar e o lixo industrial de pequenas fábricas”, disse. 

Ele relembra que, em abril do ano passado, toneladas de lixo vindo de Pernambuco poluíram as praias da Paraíba e do Rio Grande do Norte. “Foi possível constatar que veio daqui porque tinha muito material de campanha eleitoral e materiais indicativos do Governo do Estado, como bolsa e cadernos”, citou.

Como agravante, o ambientalista completa que nunca havia chegado essa “quantidade absurda” nas praias de Pernambuco, principalmente no Litoral Sul. “A Prefeitura de Ipojuca nos informou que no começo do mês foi coletado 20 vezes mais resíduos pelos órgãos do município.”

O que diz o Porto do Recife

A Porto do Recife S.A se posicionou à reportagem por meio de nota. No texto, disse estar “ciente das denúncias sobre o aparecimento de resíduos plásticos nas praias da cidade e do litoral sul”, e reafirmou que o material sugado para dentro da draga passa por uma filtragem interna, que separa o lixo da lama e da areia.

“O filtro retém resíduos sólidos de grande porte e desde o início do trabalho já recolheu e fez o descarte apropriado em terra de mais de 18,6 toneladas de lixo, entre pneus, cadeiras plásticas, sacos de lixo fragmentados, entre outros. O lixo recolhido pela draga é armazenado em big bags (contentores) e descartados semanalmente no cais do Porto do Recife. A operação consiste no desembarque destes resíduos diretamente para um caminhão, que faz a entrega do material na Central de Tratamento de Resíduos (CTR) de Candeias”, falou. 

A gestão do porto acrescentou ainda que vem tomando outras medidas, como a contratação da empresa SEG Engenharia “para realizar um monitoramento diário no bota-fora, canal do terminal e em toda a extensão da costa de Olinda à Piedade”, e a navegação, no canal do terminal, do Ecobarco - embarcação da Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb) que recolhe resíduos flutuantes dos rios. 

Também pontuaram que, na sexta, a equipe de gestão ambiental do porto realizou uma inspeção no bota-fora junto com a empresa DBF, contratada para realizar o monitoramento ambiental do serviço de dragagem. Segundo a nota, “foi verificado que não há flutuação de resíduos plásticos, no momento de descarte do sedimento e nem depois. A equipe ficou cerca de trinta minutos após a descarga e não foi constatada a flutuação”.


Na foto, operação de desembarque do lixo recolhido pela draga no Porto do Recife / Divulgação/ Porto do Recife

Por fim, justificou que “a obra de dragagem é importante para a manutenção das operações no Porto do Recife, garantia dos mais de 1.300 empregos ligados diretamente a carga e descarga de mercadorias e a economia do Estado”.

O porto é administrado desde 2001 pelo Estado de Pernambuco por intermédio da Porto do Recife S.A. A dragagem está sendo feita para aumentar a profundidade da área e possibilitar a chegada de navios maiores. O serviço está sendo feito pela draga holandesa Lelystad, atracada desde o último dia 20.

O presidente do Sindicato dos Operadores Portuários de Pernambuco (Sindope), Roberto Miranda, também saiu em defesa das operações do porto. Em nota divulgada pela entidade, ele descartou “a possibilidade de que o grande aumento no volume de lixo urbano que surgiu nas praias do Recife e Litoral Sul seja causado pelas obras de dragagem que estão sendo realizadas no Porto do Recife".

Ele destacou que "o serviço segue protocolos rígidos de acompanhamento do descarte do material, o qual é realizado com base em procedimentos definidos pela Capitania dos Portos de Pernambuco em conjunto com a Administração do Porto de Recife e a Agência Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (CPRH)".

Edição: Vanessa Gonzaga